Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Tiago José Lemos Monteiro (IFRJ)

Minicurrículo

    Tiago José Lemos Monteiro é Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (2012), com estágio pós-doutoral realizado junto à Universidade Anhembi Morumbi entre 2016 e 2017. Professor do Bacharelado em Produção Cultural e da Pós-Graduação Lato Sensu em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação do IFRJ – Campus Nilópolis, desenvolve pesquisas em torno do insólito audiovisual em suas múltiplas manifestações, com ênfase no horror e no exploitation brasileiro e iberoamericano.

Ficha do Trabalho

Título

    Exploração de exportação: o díptico de horror satânico de Fauzi Mansur

Mesa

    História(s) do horror brasileiro: memórias, circuitos e legados

Resumo

    Em 1989, o diretor Fauzi Mansur (associado ao ciclo da Boca do Lixo paulistana) e o produtor J. D’Ávila envolveram-se na realização de dois filmes de horror de exploração endereçados ao mercado externo. Atração satânica e Ritual macabro podem ser apreendidos como “vestígios possíveis” de um cinema brasileiro deslocado para as bordas do cânone, em que temáticas de apelo internacional aparecem articuladas a personagens e ambientações características do universo popular-massivo de gênero nacional.

Resumo expandido

    As conexões entre a produção audiovisual oriunda da Boca do Lixo paulistana durante as décadas de 1970-1980, e outras vagas de cinema popular-massivo de gênero pautadas por uma lógica de exploração e situadas em contextos nacionais diversos (como o italiano, o espanhol e o mexicano), já foram delineadas por alguns autores no decurso do recente interesse dos estudos fílmicos brasileiros e internacionais por este universo. Tais debates, entretanto, costumam ser pautados pelo mapeamento e discussão das influências estéticas e estilísticas que a produção nacional sofreu ao se apropriar de tais matrizes “estrangeiras”, ficando ainda por investigar a existência de um fluxo inverso desta dinâmica, qual seja: em que medida a produção popular-massiva de gênero brasileira foi capaz de ultrapassar as fronteiras de seu mercado interno e alcançar outros circuitos de distribuição e consumo. Em um segundo momento, caberia questionar qual a representatividade deste fluxo, e quais os valores a ele agregados como índice de distinção e legitimidade, em um mercado cada vez mais saturado de títulos considerados obscuros e “exóticos”, sobretudo em função do advento das distribuidoras de nicho a partir da década de 1990 e até os dias de hoje.
    Em que se pese a dificuldade de acesso a alguns dados relacionados a este período do cinema brasileiro, é sabido que o ciclo de filmes de women in prison popularizado mundialmente a partir de The Big Doll House (1970) e The Big Bird Cage (1972) fomentou uma prolífica vaga de similares nacionais, de nomes sugestivos como A prisão (1981), Curral de mulheres (1982) ou As prisioneiras da selva amazônica (1987), e todos com registro de distribuição além-fronteiras – onde foram, respectivamente, rebatizados de Women behind bars, Amazon Jail e Amazon Jail 2. De forma análoga, a Synapse Films, especializada no lançamento de obras exploitation e softcore, parece ter identificado no repertório da Boca do Lixo um segmento digno de promoção, tendo incluído em seu catálogo títulos como Pornô! a.k.a. Porno (David Cardoso, Luiz Castellini & John Doo, 1981), Violência na carne a.k.a. Violence and flesh (Alfredo Sternhein, 1981) e Volúpia de mulher a.k.a. A chick’s ability (John Doo, 1984).
    Em finais da década de 1980, o diretor Fauzi Mansur e o produtor J. D’Ávila se aventuram na realização de duas obras de horror endereçadas ao mercado externo desde sua concepção. Rodados praticamente em simultâneo, Atração satânica [Satanic attraction] e Ritual macabro [The ritual of death] (ambos de 1989) integram uma subvertente do gênero conhecida como splatter-gore, caracterizada pela representação excessiva e explícita de cenas envolvendo mutilação corporal, sangue e vísceras. Ao mesmo tempo em que efetua uma apropriação consciente de temáticas recorrentes no repertório horrífico internacional do período, reforçando o caráter supostamente “universal” da produção, o díptico de Mansur investe na evocação de elementos marcadamente brasileiros, tanto no que diz respeito à ambientação das tramas quanto na escalação do elenco e na tipificação de alguns personagens, com diferenças substanciais neste sentido verificáveis entre um título e outro.
    Este trabalho tem por objetivo situar Atração satânica e Ritual macabro em seus respectivos contextos de produção, distribuição e recepção, a partir de uma dupla apreensão das obras: por um lado, ambos os filmes são entendidos como “vestígios possíveis” de um cinema brasileiro de horror historicamente deslocado para as bordas do cânone em função de suas múltiplas ambivalências; por outro lado, interessa discutir como a própria disponibilidade dos títulos é consequência de sua condição de produto de exportação, e em que medida o mapeamento desses trânsitos além-fronteiras poderia ampliar nosso acesso a filmes considerados perdidos (contribuindo, dessa maneira, para a construção de uma memória plural do cinema brasileiro popular-massivo e de gênero).

Bibliografia

    CÁNEPA, Laura Loguércio. Medo de quê? – uma história do horror nos filmes brasileiros. Tese (Doutorado em Multimeios) – Instituto de Artes, UNICAMP. Campinas, 2008.

    COWAN, Douglas E. Sacred terror: religion and horror on the silver screen. Waco, Texas: Baylor University Press, 2008.

    CURTI, Roberto; LA SELVA, Tommaso. Sex and violence: percorsi nel cinema estremo. Torino: Lindau, 2003.

    JANISSE, Kier-La; CORUPE, Paul (orgs). Satanic panic: pop-cultural paranoia in the 1980s. Toronto, Ontario: Spectacular Optical, 2015.

    MILLER, Cynthia J.; VAN RIPER, A. Bowdoin (orgs.). Divine horror: essays on the cinematic battle between the sacred and the diabolical. Jefferson, North Carolina: McFarland & Co., 2017.

    PIEDADE, Lúcio F. Reis. A cultura do lixo: horror, sexo e exploração no cinema. 2002. 150 p. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.