Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Estevão de Pinho Garcia (IFG)

Minicurrículo

    Coordenador e professor do curso de Cinema e Audiovisual do Instituto Federal de Goiás. Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, mestre em Estudos Cinematográficos pela Universidade de Guadalajara, México, e bacharel em Cinema pela Universidade Federal Fluminense. Foi professor visitante da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Pesquisador atuante em pesquisas e publicações sobre o cinema latino-americano.

Ficha do Trabalho

Título

    Júlio Bressane, Miguel Bejo e o filme de horror autorreflexivo

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    Barão Olavo, o horrível (Júlio Bressane, Brasil, 1970) e La familia unida esperando la llegada de Hallewyn (Miguel Bejo, Argentina, 1971) são dois filmes vanguardistas que estabelecem suas conexões com o gênero horror pela intertextualidade e pela livre apropriação de seus códigos e não pela completa adesão. Neles, por mais que o gênero seja introduzido para dentro de seus interiores, sempre será uma exterioridade. Objetivamos, por meio da análise fílmica, examinar a articulação desse diálogo.

Resumo expandido

    “Barão Olavo, o horrível” e “La familia unida esperando la llegada de Hallewyn” são filmes que estabelecem suas conexões com o horror pela intertextualidade e pela livre apropriação de seus códigos. O distanciamento e a postura analítica ao gênero poderiam classificá-los mais como dois filmes vanguardistas que dialogam com o horror do que como filmes de horror propriamente ditos. Tanto o filme de Bressane quanto o de Bejo apresentam como núcleo narrativo central a família burguesa e a mansão como espaço privilegiado de investigação. Porém, se em “Barão Olavo” encontraremos analogias entre ambiente doméstico e Estado autoritário, no filme argentino veremos, através do espaço familiar, uma alegoria política mais explícita. A própria mansão burguesa é a Argentina. A casa será utilizada como ponto de referência. A família, isto é, os que moram na mansão, são “os de dentro” e os empregados domésticos e os seres do “submundo” em geral são “os de fora”. Torna-se explícita uma diferença classista, de um lado a burguesia e do outro o povo excluído. Ambos esperam a chegada do misterioso Hallewyn, sendo que a primeira o espera com medo e o segundo, com esperança. Hallewyn é a alegoria de Juan Domingo Perón, então no exílio. A narrativa é estruturada pela espera da chegada do personagem-título que, na quase totalidade do longa-metragem, o vemos através da imagem pouco nítida do cavaleiro extraído de “O chicote e o corpo” (Mario Bava, Itália, 1963). Para o filme, a espera da família por Hallewyn é mais importante que o próprio Hallewyn. “La familia…” vai tentar explicar a sensação de horror, percebida mais em termos coletivos que individuais, através de uma alegoria de seu país. Com o intuito de obter uma base especificamente cinematográfica na construção imagética dessa alegoria singularizada pelo horrorífico, Bejo foi beber na fonte do cinema de horror. E será através da extração, algumas vezes literal, das imagens desse cinema que fará remissão ao contexto histórico argentino. Se Bressane é menos alegórico que Bejo, se revelará igualmente um mixador e o propósito de suas apropriações será o de estabelecer um diálogo com o universo do horror. A postura de quem está disposto a estabelecer conexões com este mundo, mas deixando claro um certo distanciamento crítico e a ciência de que esse mundo lhe é exterior, já aparece na construção do protagonista. Barão Olavo é o “monstro” desse filme de horror autorreflexivo. Se por acaso a ilusão dessa monstruosidade por vezes parecer frouxa, isso não apresenta nenhuma relevância. Ele, assim como os ruídos típicos do gênero articulados ao longo do filme, é o resultado de uma mixagem e não o som original. Barão Olavo contém nele próprio um histórico de vilões do cinema de horror. Instalar o clima do horror, que em muitos casos pode aparecer, desaparecer e aparecer novamente em uma mesma cena, é mais importante que narrar uma história de horror. Uma narrativa condizente ao gênero usualmente é estruturada pelo suspense, calibrado cronologicamente, que culmina no elemento chave: a consumação do medo. No filme de Bressane não há um crescendo atmosférico e sim a atmosfera abruptamente inserida e abruptamente retirada. Na verdade, não é que “Barão Olavo” não está preocupado em contar uma história de horror e sim, de que não está preocupado em contar qualquer história. A autonomia das cenas em sua referência ao gênero não se concretiza somente pela ausência de progressão dramática ou de uma cena seguinte que lhe confira um princípio de continuidade mais urdido e sim, muitas vezes, pela repetição. As cenas se repetem continuamente. Bressane não quis realizar um filme que se aproximasse do horror através de seus aspectos narrativos e sim que com ele estabelecesse uma transfusão por meio da releitura de seus clichês. Objetivamos, portanto, analisar como esses dois filmes latino-americanos, realizados no começo da década de 1970, dialogaram com o horror gênero e com o horror do cotidiano de seus países.

Bibliografia

    CARROL, Noel. A filosofia do horror ou os paradoxos do coração. Campinas: Papirus, 1999.

    MESTMAN, Mariano. (Org.). Las rupturas del 68 en el cine de América Latina: contracultura, experimentación y política. Buenos Aires: Akal, 2016.

    BEJO, Miguel. Un cine de transición. Hablemos de cine, Lima, n.65, 1973.

    BRESSANE, Júlio. Júlio Bressane: Cinema inocente: catálogo. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002.

    GARCIA, Estevão de Pinho. Esa es violenta: las películas de Júlio Bressane hechas en la productora Belair in VILLARROEL, Mónica (Org.) Memorias y representaciones en el Cine Chileno y Latinoamericano. Santiago de Chile: Lom Ediciones / Fundación Cultural Palacio La Moneda, 2016.

    WOLKOWIKS, Paula. Vanguardia y política. El cine underground argentino de los años setenta. Tese de Doutorado. Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2015.