Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Wendell Marcel Alves da Costa (UFRN)

Minicurrículo

    Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Cientista Social pela UFRN. Pesquisa temas da cultura cinematográfica que tratam das mudanças espaciais, sonoras e estéticas da cidade no cinema brasileiro contemporâneo. Associado da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, da Associação Brasileira de Antropologia e da Sociedade Brasileira de Sociologia. É integrante do Grupo de Pesquisa Linguagens da Cena: imagem, cultura e representação.

Ficha do Trabalho

Título

    A nostalgia e os ritmos temporais urbanos na obra de Jacques Tati

Resumo

    Nosso objetivo é discutir parte da obra do cineasta francês Jacques Tati que trata da nostalgia e dos ritmos temporais urbanos nos filmes As Férias do Sr. Hulot, Meu Tio e Tempo de Diversão. Os filmes analisados desenvolvem narrativas fílmicas sobre sentimentos de nostalgia no interior dos ritmos temporais na estrutura do urbanismo. Apresentamos como os três filmes desenvolvem em seus enredos discussões filosóficas, geográficas e antropológicas através de figuras alegóricas materiais.

Resumo expandido

    Nosso objetivo é discutir parte da obra do cineasta francês Jacques Tati (1907-1982) que trata da nostalgia e dos ritmos temporais urbanos, principalmente nos filmes As Férias do Sr. Hulot (1953), Meu Tio (1958) e Tempo de Diversão (1967). Os filmes aqui analisados desenvolvem narrativas fílmicas sobre sentimentos de nostalgia – memoriais, afetivos e simbólicos – no interior dos ritmos temporais preexistentes na estrutura do urbanismo que se constitui como fenômeno da cidade da modernidade. Desse ponto de vista, queremos dizer como os três filmes paradigmáticos de Jacques Tati desenvolvem em seus enredos, num intervalo de produção de dez anos que se tornou decisivo para a fabricação da imaginação simbólica do cineasta, discussões filosóficas, geográficas e antropológicas de uma dialética dos trânsitos entre modernidade e pós-modernidade, através de figuras alegóricas materiais – as casas, os prédios, as ruas, os veículos de mobilidade e os aparelhos domésticos – situadas no contexto da cidade em transformação.

    Seus filmes falam sobre as mudanças de movimentos e trajetos dos transeuntes na cidade em processo, fomentando direções que se transformam na temporalidade das práticas cotidianas, que chegam a conhecer e conviver com arquiteturas modernas que estão por edificar lugares de representação burguês: é neste silogismo que entra em cena a personagem do Sr. Hulot, um homem burlesco, poético e nostálgico. É provável que a personagem do Sr. Hulot sirva como reservatório das imagens poéticas do humano simples, cotidiano, que em seu tempo interior e permanente precisa resolver-se com novas tecnologias sociais e, até mesmo, afetivas. Seu tempo interior poeticamente variável em contato com o tempo exterior socialmente estruturado – que Durkheim vem dizer – consagra-se aqui como a variabilidade dos modos de ser e de existir – como afirma Sartre – na sociedade moderna, além de integrar os paradigmas: sociedade x cultura, indivíduo x sociedade, Eu x Outro. Por isso, perguntamos como as imagens fílmicas dos filmes de Tati trabalham essas relações pungentes da construção das culturas e das representações por meio de imaginações simbólicas e a remodelação de signos alegóricos?

    Com esta reflexão, exemplificamos o jogo cênico que consagra o dinamismo teatral de Tati com dois gêneros cinematográficos dissidentes: a comédia de acontecimentos e a ficção científica. Através das discussões sobre a nostalgia e os ritmos temporais urbanos tocadas pela análise dos três filmes elencados, problematizamos as circunstâncias espaço-temporais-arquiteturais com que Jacques Tati representou os desafios de conceber situações fantásticas de distopias urbanas, na representação de contraposições clássicas do tipo exterior (na rua) x interior (na casa), direção x passeio, estrutura x plasticidade, organicidade x mecanicidade, cidade x rural. Como bem definiu Bazin (2018, p. 85), “nunca, sem dúvida, o tempo tinha sido a esse ponto a matéria-prima, quase que o próprio objeto do filme. Bem melhor e bem mais que nos filmes experimentais que duram o próprio tempo da ação, M. Hulot nos esclarece sobre a dimensão temporal de nossos sentimentos”.

    Baseando-se nas propostas de Gilbert Durand (1993; 1997) e Gaston Bachelard (1988; 1993), e nos argumentos de Jameson (1996), Bruno (2002), Williams (2011) e Le Breton (2018), consubstanciamos nosso entendimento de cidade pós-moderna com resquícios da modernidade arquitetural e societal em imagens-semblantes de “filmes corriqueiros”, que em seus discursos enfatizam as transformações pelas quais passam e tem passado sociedades industriais na ordem do simbólico e do afetivo pela representação das cotidianidades urbanas. As análises fílmicas realizadas propõem alcançar nos esconderijos da linguagem cinematográfica a presença dos signos alegóricos, códigos e o imaginário simbólico, revelando em As Férias do Sr. Hulot, Meu Tio e Tempo de Diversão um arsenal poderoso do imaginário social da cidade da (pós)modernidade.

Bibliografia

    BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. São Paulo: Editora Ática, 1988.

    BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

    BAZIN, André. “Monsieur Hulot e o tempo”. In: _______. O que é o cinema? São Paulo: UBU Editora, 2018, pp. 80-87.

    BRUNO, Giuliana. Atlas of emotion. Journey in Art, Architecture, and Film. New York: Verso, 2002.

    DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Lisboa: Edições 70, 1993.

    DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arqueologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

    JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 1996.

    LE BRETON, David. Desaparecer de si: uma tentação contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2018.

    WILLIAMS, Raymond. “Percepções metropolitanas e a emergência do modernismo”. In: _______. Política do modernismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011, pp. 9-26.