Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Yanara Cavalcanti Galvão (UFS)

Minicurrículo

    Mestranda no Programa Interdisciplinar em Cinema e Narrativas Sociais da Universidade Federal de Sergipe (PPGCINE/ UFS). Atualmente pesquisa as práticas estéticas e políticas do audiovisual contemporâneo com foco no cinema feito com mulheres em Pernambuco.

Ficha do Trabalho

Título

    Câmara de Espelhos e o Feminismo do Cinema Independente Contemporâneo

Resumo

    No presente trabalho traçamos uma breve descrição do documentário Câmara de Espelhos (Déa Ferraz, 2016) para em seguida apontarmos potências estéticas e políticas do cinema independente contemporâneo feito por mulheres. Para tanto, revisitamos textos balizares da literatura feminista do cinema com o ensaio Prazer visual e cinema narrativo, da realizadora e crítica feminista Laura Mulvey (1983) e A tecnologia de gênero, da historiadora Teresa de Lauretis (1994).

Resumo expandido

    Logo nas primeiras imagens do documentário Câmara de Espelhos (2016), dirigido pela cineasta pernambucana Déa Ferraz, nós, espectadoras/es, somos apresentadas/os ao que vem a ser a proposta de um filme dispositivo. A noção de dispositivo reformulada por Foucault (1999) foi acolhida de forma inventiva no campo do cinema documentário contemporâneo. Basicamente significa a criação de um artificio de filmagem para produzir situações o que diferentemente da ideia do documentário mais convencional “não apreende a essência de uma temática ou de uma realidade fixa e preexistente” (LINS e MESQUITA, p.33, 2008). Na cena de abertura do filme vemos a imagem de um recorte de jornal, um anúncio “convite” para homens de dezoito a oitenta anos que moram na região metropolitana de Recife e queiram participar de um filme. As imagens que vem a seguir nos apresentam ao processo de montagem cênica da “caixa preta”, parte do dispositivo fílmico do documentário. Enquanto espectadoras/es, acompanhamos nos primeiros momentos do filme as etapas dessa construção, que cria um ambiente confortável semelhante ao de uma sala de estar, com sofás e cadeiras, rodeado de espelhos, de imagens fotográficas e pinturas que nos remetem às mulheres, com referências ao feminismo. A cineasta Déa Ferraz buscou proporcionar o conforto para as conversas cotidianas similares a uma “mesa do bar”, onde os homens comumente se encontram para bate papos que acreditam “banais” e que estão inseridos no universo masculino que em um sistema patriarcal vão refletir o espelho social da qual a sociedade faz parte e a reprodução dos discursos machistas “naturalizados” pela mesma.

    No presente trabalho buscamos aproximar a proposta estética e política do documentário Câmara de Espelhos às referências de “contracinema” encontradas no ensaio Prazer Visual e Cinema Narrativo (1983), da cineasta e crítica feminista inglesa Laura Mulvey, o qual está entre os textos pioneiros e balizares dos estudos feministas do cinema. O que a autora apontou nos anos 1970 como contracinema, entendemos acontecer na produção independente do cinema contemporâneo feito por mulheres, a exemplo do filme-dispositivo Câmara de Espelhos. Quando nos referimos à imagem da mulher no cinema, ainda nos deparamos com a condição opressora que ela sofre desde muito antes do cinema existir, mas que passa a ser reproduzida por esta arte (o cinema) que historicamente foi pensada por homens, estruturada pelo inconsciente da sociedade patriarcal (MULVEY, 1983, p. 438). Em Câmara de Espelhos, subverte-se ordem dominante com a inversão das posições dos corpos dos homens que de observadores passam a ser observados. Tendo seus corpos vigiados, esses homens assumem um papel que pelo modelo clássico do cinema que ainda vigora, foi dado às mulheres.

    No sentido de ampliar essa reflexão crítica e levantar algumas questões que acreditamos necessárias, buscamos um entendimento do cinema para além do aparato tecnológico, pensá-lo como uma “tecnologia social”, uma “tecnologia de gênero”, assim como concebido pela historiadora feminista Teresa de Lauretis (1994). A autora realizou uma releitura do conceito de tecnologia de sexo, desenvolvido pelo pensador Michel Foucault. Lauretis sai da lógica binária da diferenciação sexual “homem”e “mulher” e faz uma crítica ao feminismo até os anos 1960 e 1970 quando ainda reproduzia um modelo de diferenciação oriundo do patriarcalismo ao qual se opunha. Retornando ao documentário Câmara de Espelhos, se por um lado os homens – personagens deles mesmo – reproduzem um discurso, influenciados/construidos pelas tecnologias sociais, desde as instituições, aos meios de comunicação hegemônicos, o cinema as igrejas, publicidade, entre outros. Por um outro lado o cinema contemporâneo independente enquanto uma contranarrativa ao seu modelo mercadológico, cria as possibilidades da desconstrução desse mesmo discurso hegemônico.

Bibliografia

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. Rio de Janeiro,
    Petrópolis: Vozes, 1999.

    LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLANDA, H. B. de (Org.)
    Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

    LINS, Consuelo. Mesquita, Cláudia. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

    MULVEY, Laura et al. Prazer visual e cinema narrativo. A experiência do cinema:
    antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, p. 437-453, 1983.

    Filmografia
    Câmara de Espelhos. Direção Déa Ferraz. Documentário, Brasil, 76′, 2016.