Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Sylvia Beatriz Bezerra Furtado (UFC)

Minicurrículo

    Beatriz Furtado é professora dos cursos de Cinema e da Pós-Graduação em Comunicação, do Instituto de Cultura e Artes, da Universidade Federal do Ceará. É autora dos livros “Imagens Eletrônicas e Paisagem Urbana” (Relume-Dumará), “Cidade Anônima” (Hedra) e ” Imagens que Resistem” (Intermeios). Organizou os dois volumes do livro “Imagem Contemporânea” (Hedra, 2009) e, junto com Daniel Lins,o livro “Fazendo Rizoma”.

Ficha do Trabalho

Título

    “Por Trás dos Escudos”: A violência do Estado e a posição do Cinema

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    “Por Trás dos Escudos”, de Marcelo Pedroso, é um filme que se faz no front da guerra que o Estado instaurou sob o comando da polícia de choque. Ao optar por dar visibilidade aos horrores instalados pelo exercício militar da violência contra manifestações populares, o filme se põe a pergunta feita por Jean-Louis Comolli: Como filmar o Inimigo?

Resumo expandido

    “Por trás dos Escudos”, do pernambucano, Marcelo Pedroso, coloca em cena a face mais violenta do Estado brasileiro, aquela que responde com armas as manifestações populares. Em meio às lutas sociais, o Estado de Exceção não respeita qualquer direito de expressão. Os métodos do Batalhão de Choque da Polícia Militar são explicitados: há uma guerra onde a corporação está no front da batalha e não mede seus movimentos para por fim a qualquer tipo de organização das ruas. A polícia brasileira, a que mais mata e mais morre no mundo, é servil a lógica do poder. Há dois lados nessa guerra. A questão, no entanto, é que Marcelo Pedroso, militante de esquerda, optou por colocar sua câmara atrás dos escudos. No entanto, a tentativa de tornar visível o que se passa nesse lado obscuro e cruel, resulta num filme que não é confortável para ninguém. O gesto do cineasta expõe sua própria fragilidade diante das imagens. Não há diálogo com o inimigo. As imagens sempre estão em uma posição.
    Segundo Jean-Louis Comolli, filmar o inimigo é de alguma forma se colocar do lado dele e compartilhar a cena com ele. Comolli operou nesse campo ao realizar um filme sobre Le Pen, o líder da Frente Nacional, da extrema-direita francesa. A Frente Nacional, seus quadros, seus militantes, estavam no centro de seus interesses nas batalhas políticas. Filmar o inimigo nunca deixou de ser um grande risco. Há preços a pagar. Em “Por Trás dos Escudos”, um dos preços mais altos foi cobrado no Festival de Brasília e no DocCachoeira. A militância cobrou caro e não aceitou a fragilidade de alguns momentos do filme como uma exposição do que significa habitar um campo minado. A unidade policial treinada para dispersar multidões e atuar na repressão não deixou de fora o próprio cinema. Ao acompanhar algumas operações de rotina e treinamentos no batalhão, o filme deixa nas imagens os efeitos da aproximação com o Estado de Exceção e, mesmo buscando formas de não se deixar capturar pelos encontros realizados no interior da corporação, há sempre um desvio de posição.
    O risco, frente ao que aparece como inescapável, é sempre colocar o documentário como expressão de uma verdade possível. Ao se posicionar e ao posicionar a câmera no espaço cênico das ruas em confronto com a polícia, o descontrole é um dado. Quem mais se encontra em meio ao que dali decorre é o próprio processo fílmico, o desafio de manter uma distância e a cobrança de quem fez um pacto de filmar com o inimigo. O documentário vai se abrindo aos perigos dessa posição. Se filme se fez por atrever-se a saltar em direção ao abismo, supondo poder deixar que o próprio inimigo se despisse diante da câmera, como ocorre em algumas cenas, há momentos em que o documentário põe em questão o seu próprio lugar de fala. Diante da violência sobre corpos aprisionados passados em revista e a indescritível cena de agachamento e desnudamento dos presos, é impossível ficar imune. A perversão da violência contamina, mata.
    O filme de Marcelo Pedroso é inapreciável, incômodo. Coloca o cinema como testemunha de sua própria angústia frente ao que é inominável, a depreciação dos corpos, a
    perversão da violência e põe o cinema em meio as atrocidades de um Estado Inimigo.

Bibliografia

    Camolli, Jean-Louis, Ver, Poder. UFMG, Belo Horizonte, 2008.
    Didi-Huberman, G. Quando as Imagens Tomam Posição, UFMG, Belo Horizonte, 2006.
    Leandro, Anita. O tremor das imagens: Notas sobre cinema militante. Devires, Belo Horizonte, V. 7, N. 2, P. 98-117, JUL/DEZ 2010.
    Machado, Patrícia. Imagens que restam: a tomada, a busca dos arquivos, o documentário e a elaboração de memórias da ditadura militar brasileira. Tese Comunicação e Cultura UFRJ,
    2016.
    Gonçalves, Pablo, Qual é a ética diante das imagens violentas e perversas? Revista Cinética, 17 de outubro, 2017.