Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Douglas Resende (UFF)

Minicurrículo

    Professor adjunto do Departamento de Cinema e Vídeo da UFF e um dos coordenadores do projeto Inventar com a Diferença: cinema, educação e direitos humanos. Graduado em Comunicação Social/Jornalismo, mestre em Artes Visuais/Cinema e doutor em Artes/Cinema pela Escola de Belas da Artes da UFMG, com a tese O espaço comum na prática do filme documentário (2016), tendo apresentado como parte desta o documentário em média-metragem Memórias de Izidora.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema na escola como processo e possibilidade de criação coletiva

Seminário

    Cinema e Educação

Resumo

    Relato de uma experiência com o cinema em escolas de centros socioeducativos atualmente em curso pelo projeto Inventar com a Diferença: cinema, educação e direitos humanos. O cinema documentário e experimental como método e ferramenta para produção de experiências estéticas e pedagógicas em contextos de educação.

Resumo expandido

    Reunimos, para uma formação, um grupo de seis professores de duas escolas situadas dentro de unidades do Degase, órgão que faz a gestão das “medidas socioeducativas” no Estado do Rio de Janeiro. Duas professoras de arte, dois de educação física e dois de geografia que, numa das escolas, recebem meninas entre doze e dezoito anos “em conflito com a lei” e na outra, meninos na situação de “internos provisórios”, aguardando a audiência que arbitrará sobre seu futuro próximo. Escolas portanto com temporalidades muito singulares e com um intenso trânsito de vidas jovens.
    Um jovem pode ficar recluso num centro socioeducativo de três meses a três anos, e no caso da internação provisória de um a 45 dias, o que exige da escola uma outra economia do tempo. Lá dentro, o espaço se faz de encontros fugazes, de relações instáveis, donde a ideia de “conteúdo” perde em grande medida sua razão de ser. Em lugar de um movimento contínuo e progressivo, os educadores são levados a pensar atividades que se cumpram num mesmo dia, num mesmo turno, numa dinâmica mais do instante, voltada para o presente, que de uma continuidade na relação com os estudantes, considerando que no dia seguinte alguns deles já podem não estar ali.
    Estão aí pistas para o desafio metodológico de uma entrada do cinema nesses espaços.
    Propusemos ao grupo de professorxs experimentar, ao longo de uma sequência de oito encontros, uma série de dispositivos – mas poderíamos chamar também jogos, dinâmicas coletivas – com o objetivo de desencadear uma experiência cinematográfica compartilhada em três horas de encontro, um turno das escolas. Um pequeno conjunto de regras de modo a estabelecer os limites de um espaço de interação e de criação onde cada corpo presente terá um papel. O que buscamos com os dispositivos fílmicos. A maioria foi recriada pelos Cadernos do Inventar (MIGLIORIN, 2016) a partir de recursos expressivos encontrados na história moderna e contemporânea do cinema documentário, mas também em certas formas de cinema experimental. Em ambos os casos, tratam-se de momentos em que algo da dimensão pedagógica do cinema se manifesta. Quando o processo coloca em relação lugares múltiplos de modo não a representá-los ou a estabelecer uma relação rígida professor-aprendiz, mas fazendo com que ajam juntos com o cinema, produzindo experiências de grupo e deslocando essas relações dadas ali para um outro espaço, com regras próprias de duração, enquadramento, de disposição dos corpos.
    Temos experimentado o cinema como um meio, ou seja, processo, como uma ferramenta de mediação das relações nesses espaços, em especial das relações entre professores e estudantes, que criam juntos modos singulares de olhar para o território onde se encontram. Assim, antes de um fim, um filme, tomamos o cinema como possibilidade de criação coletiva. “O ato de criação não se refere essencialmente a uma obra, a um produto terminado, ele mediatiza uma operação coletiva, ele permite a um grupo, a uma singularidade existir”, escreveu Lazzarato (2006) em meio a suas leituras de Caosmose (2006) de Guattari e o seu “paradigma proto-estético” que significa que “‘não nos referimos à arte institucionalizada, a essas obras que se manifestam no campo social, mas a uma dimensão de criação em estado nascente, fluindo da própria fonte, potência da emergência’. […] Em suma, a arte não deveria produzir obras ou objetos estéticos prontos, mas instrumentos conceituais, estéticos, sociais […]. O paradigma estético, não tratando apenas da criação artística e da subjetividade artística, se limita a mostrar um caminho de criatividade possível. Esta última deve se concentrar sobre o ‘processo’ antes que sobre o objeto, sobre a criação emergente, antes que sobre a ‘obra’.”
    Do lugar da coletividade que se constitui no território de uma escola — em especial na relação entre professorxs e estudantes –, nos parece haver na arte e no cinema um potencial de liberação do trabalho como possibilidade de criação coletiva.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.

    COMOLLI, Jean-Louis. Notes sur l’être ensemble. In: Corps et cadre: cinéma, étique et politique. Paris: Verdier, 2012.

    DESANTI; Jean-Toussaint; MONDZAIN, Marie José; D’ALLONES, Myriam Revault; LORAUX, Patrice; et al. Voir ensemble: douze voix autour d’un texte de Jean Toussaint Desanti. Paris, Gallimard, 2003Paris: Gallimard, 2003.

    GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Editora 34, 2006.

    GUATTARI, Félix; NEGRI, Antonio. As verdades nômades. São Paulo: Politeia/Autonomia Literária, 2017.

    LAZZARATO, Maurizio. Art et travail. In: Parachute Revue d’art contemporain, Montréal, no. 122 (avril-mai-juin), 2006.

    MIGLIORIN, Cezar [et al]. Cadernos do Inventar: cinema, educação e direitos humanos. Niterói: EDG, 2016.