Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Juliana Soares Lima (UFPE)

Minicurrículo

    Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. É bacharela em Cinema e Audiovisual também pela UFPE e realizadora audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Corpos Fronteiriços: Identidade e Alteridade no Cinema de Claire Denis

Resumo

    Este trabalho propõe uma revisão de parte da filmografia da realizadora francesa Claire Denis à luz de conceitos como alteridade, eurocentrismo e interculturalidade para investigar de que forma a relação antagônica que define a biografia da cineasta, entre reconhecer-se no Outro africano e ocupar em sua origem a posição de colonizadora, influencia o seu olhar sobre os corpos e paisagens da África.

Resumo expandido

    Ao debruçar-se sobre as obras de temática africana da filmografia de Claire Denis como Chocolat (1988), Beau Travail (1999) e White Material (2009), percebe-se que, em comum, possuem personagens europeus que, por diferentes razões, são inseridos dentro do continente africano e passam por processos de solidão, não-pertencimento e tentativa frustrada de integração ao espaço.

    Nascida em Paris, Denis viveu na África colonial até os 14 anos, onde seu pai era um oficial do exército francês. Assim como sua própria experiência, seus filmes estão totalmente imersos em questões definidas pelo processo colonial. O fato de Denis ser uma mulher europeia que cresceu no continente africano dentro do contexto de sua colonização a coloca numa posição que influencia decisivamente seu olhar sobre a África. Logo, pretende-se aqui investigar até que ponto o seu cinema, influenciado por sua experiência individual, renova o olhar sobre os corpos colonizados ou ecoa as formas de representação eurocêntrica dessas relações.

    Considerando que, para Laura Marks, o Cinema Intercultural é produzido onde quer que pessoas de diferentes contextos culturais vivam juntas em espaços infligidos pelos processos diaspóricos (MARKS, 2000, p. 1), talvez seja este o conceito que mais se aproxime de uma classificação cabível para a filmografia de Denis. Para Marks, é uma característica recorrente no Cinema Intercultural apropriar-se de uma história individual para contar uma história coletiva. Chocolat e Minha Terra, África, além de registros autobiográficos da diretora, são também retratos do período colonial africano, que incluem as tensões existentes nas complexas relações entre brancos e negros.

    É preciso ter em mente que esses retratos não podem ser desvinculados do ponto de vista do qual se originam. Chocolat, por exemplo, reconstrói o período colonial nos Camarões através da memória da France adulta cuja identidade se confunde com a da própria diretora: a de uma francesa que viveu sua infância na África mas que, independente de sua intenção, jamais deixaria completamente de ocupar o lugar do colonizador. Isso porque, por maior que fosse o esforço, o empreendimento colonial não permitiria relações de fraternidade nem que se estabelecesse um real sentido de pertencimento.

    Ainda em The Skin of The Film (2000), Marks aborda o conceito Deleuziano do “any-spaces-whatever”: a representação através do cinema de um lugar que somente o fim da Segunda Guerra e o momento pós-colonial permitiram que surgisse. Nesse contexto, transitando por esse espaço, surge o “Sujeito Híbrido” de Homi Bhabha, possuidor do que Fatimah Tobing Rony (1996) chama de “Terceiro Olho”, porque é capaz de transitar nessa nova geografia ocidental “consciente da violência para a qual a população hegemônica é cega”. (MARKS, 2000, p. 28). Apesar do papel colonizador inerente a sua origem, é impossível desconsiderar a ambiguidade da posição de Denis, sendo ela, assim como seus personagens, inegavelmente Sujeitos Híbridos e seus cenários, os “any-spaces-whatever” deleuzianos.

    Em um trecho de Cultura e Imperialismo que debate a influência de Joseph Conrad e da literatura colonialista europeia, Said o descreve como alguém cuja “autoconsciência do forasteiro pôde lhe permitir compreender ativamente como funciona a máquina, visto que ele e ela não estão, em termos fundamentais, numa perfeita sincronia ou correspondência.” (2011, p. 64). Sobre Denis, é possível dizer que ela também possui uma “autoconsciência de forasteira”. Alguém que é capaz de enxergar o processo racista de imposição cultural europeia de dentro e de fora. Como possuidora dessa autoconsciência, é impossível dizer que Denis ecoa um olhar hegemônico em sua filmografia. Somente após compreender a estrutura histórica, política e social responsável por construir o olhar da cineasta, pode-se avaliar o quanto é possível descolar-se do olhar hegemônico europeu para a construção de uma experiência de alteridade menos desigual.

Bibliografia

    BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.

    MARKS, Laura U. The Skin of the Film – Intercultural Cinema, Embodiment, and the Senses. Durham: Duke University Press, 2000

    RONY, Fatimah Tobing. The Third Eye: Race, Cinema, and Ethnographic Spectacle. Durham: Duke University Press, 1996

    SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

    _______. Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

    VECCHIO, Marjorie, The Films of Claire Denis – Intimacy on the Border. Londres:
    I.B.Tauris & Co. Ltd, 2014