Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Gustavo Jardim (UFMG)

Minicurrículo

    Gustavo Jardim é artista e educador. Diretor de filmes e vídeo-instalações, premiados em festivais como Mostra de Cinema de Tiradentes-MG, VideoBrasil-SP e Instants Videos (Marseille). Atua também no desenvolvimento de projetos de educação, formação e experimentação ligados às artes, especialmente por meio do cinema. Mestre em Cinema e Educação pela FAE/UFMG. Doutorando em Pragmáticas da Imagem pela FAFICH/UFMG.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinemações – entre o cinema e o espaço

Seminário

    Cinema e Educação

Resumo

    A comunicação pretende explorar nuances da construção de uma metodologia para processos formativos em audiovisual partindo das relações entre o filme e a captura do espaço. O objetivo está ancorado no sentido de desencadear relações criativas com moradores da Ocupação Eliana Silva, Belo Horizonte. A partir da proposta inicial busca-se entender os filmes e os processos para envolver o espaço da morada em suas virtualidades e atingir singularidades passíveis de fabulação em intervenções fílmicas.

Resumo expandido

    Este trabalho parte de um debate filosófico sobre a natureza do tempo forjada nos processos cinematográficos e como ela nos oferece uma forma de tomada de contato com o esforço criador, com o princípio vivo da consciência. Remete-se aos trabalhos de Henri Bergson na construção de um panorama de crítica do pensamento científico que nos dão base para os conceitos de multiplicidade, do movente e do devir em geral. Toma-se por consequência a filosofia desenvolvida a partir do cinema por Gilles Deleuze com uma noção da diferença voltada para a força das singularidades operando na construção e desconstrução de territórios. Incorpora as leituras dos contemporâneos David Rodowick e David Lapoujade para compor as engrenagens desta maquinaria conceitual, incluindo a noção de fabulação e da distribuição de uma terra para o pensamento, a partir de procedimentos do cinema experimental e da videoarte. Tratamos de procurar construir agenciamentos: ao pensar a apropriação cinematográfica do lugar onde moramos visamos atingir a própria vida como potência do fora, esse algo que seja capaz de remodelar o real a partir do acontecimento.

    O precedente de pesquisa entre a teoria e a prática enunciada se deu na Oficina Plano Aberto que reuniu as linguagens do funk, literatura e cinema em um trabalho realizado com jovens das ocupações de Dandara, Vitória e Izidoro, em Belo Horizonte. Foi ali que aprendemos com as formas de narrar dos jovens, entre língua, corpo e lugar, como formas de resistir à imposição do tempo e do espaço. Os filmes “Céu dos Românticos”, “Cabeça a Mil” e “Fala Comigo” nos conduzem a experiências nas quais cotidiano implicado pela câmera convoca o corpo à elaboração de uma narrativa. Os filmes realizados lançam questões sobre a narração de si em uma fatia de acontecimentos extraída pela presença da câmera: criar o fora ao ver de dentro da casa, apaixonar-se em cena ou fugir de casa.

    Deleuze vai dizer: “Dê-me, portanto, um corpo: esta é a fórmula da reversão filosófica”. “O corpo não é mais o obstáculo que separa o pensamento de si mesmo, aquilo que se deve superar para se conseguir pensar. É, ao contrário, o corpo, aquilo em que o pensamento mergulha ou deve mergulhar para atingir a única coisa que importa: a vida”. O que importa ao pensamento pensar é o corpo. E o tempo faz parte do corpo. O acontecimento é o corpo pensado como instante pleno, para além de qualquer narrativa. Para Lacan, o acontecimento é um presente instantâneo. As manifestações sintomáticas e as atuações adolescentes podem ser vistas como acontecimento de corpo e se devem a uma ruptura com o sentido.

    Nossa proposta é examinar uma inserção mais direta destes conceitos em uma prática cinematográfica onde o corpo se associa ao espaço ocupado, ativa sua potência de desterritorialização, provoca sua tendência de atualizar-se como uma contra parte do real em filme, que faça sentido na construção de novas dimensões de sua multiplicidade, que aumente seu território. O corpo atua neste caso como produtor de espaços. A intervenção como possível redefinidor de uma lógica de habitação para a imagem. A pesquisa envolve a apreciação da metodologia da Cinemateca Francesa para lidar com a questão de cinema: “Lugares, Histórias” na qual podemos aprender caminhos e disrupturas para se encontrar o espaço entre a memória e o lugar.

    Alain Bergala propõe uma distinção que problematiza a relação entre o espaço e o lugar e aponta para desafios de se descobrir novas temporalidades a partir da matéria em que se habita. “O espaço é uma noção objetiva e homogênea. As características de um espaço revelam geometria e são as mesmas para todos. Um lugar, pelo contrário, é feito de lembranças, de afetos, diferentes para cada um, de ressonâncias pessoais. Um lugar existe só para um individuo, ou uma pequena comunidade, que tem uma experiência direta, e quase sempre afetiva. O lugar é o que conecta o real, a imaginação e a memória. Aquilo que constitui a essência própria do cinema.”

Bibliografia

    BERGALA, Alain. L’hypothèse cinéma. Paris: Cahiers du cinéma, 2006.
    BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Tradução de Paulo Neves. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006a.
    BERGSON, Henri. A evolução criadora. Tradução de Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
    BERGSON, Henri. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Editora, 2006b.
    DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 2012.
    DELEUZE, Gilles. Cinema 1 – A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1983.
    DELEUZE, Gilles. Cinema 2 – A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    RODOWICK, D. N.. A Máquina do tempo de Gilles Deleuze: London, Duke University Press, 1997.
    LAPOUJADE, David. Deleuze, Os Movimentos Aberrantes: São Paulo, N-1 Edições, 2015.
    MIGLIORIN, Cezar. Inevitavelmente Cinema: Educação, Política e Mafuá. Rio de Janeiro: Azougue, 2015.
    MIGLIORIN, Cezar e Lima, Érico Araújo. Estética e comunidade: ocupar o inacabado. Rio de Janeiro, 2017.