Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Luiza Rocha de Siqueira (UFMG)

Minicurrículo

    Bacharel em Comunicação Social pela UFMG e mestranda em Comunicação Social na mesma instituição. Foi programadora do Cine Humberto Mauro, é curadora do festcurtasbh – Festival internacional de Curtas de Belo Horizonte – e da mostra de cinema infantil do Festival SACI. Atuou como diretora assistente do filme A cidade onde envelheço, de Marilia Rocha (melhor filme Festival de Brasília e Festival de Biarritz, dentre outros). Tradutora de línguas inglesa e francesa.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre amizade e história: Uma vez entrei num jardim, de Avi Mograbi

Resumo

    Em Uma vez entrei num jardim (Avi Mograbi, 2011), a complexa experiência histórica que reúne e opõe judeus e palestinos é abordada através da conversação entre o diretor e seu amigo e professor de árabe Ali Al-Azhari. Negociado e compartilhado diante do espectador, o filme enlaça e desloca eventos da história oficial com experiências e memórias individuais, por meio da rememoração, arquivos e visita a espaços que foram sucessivamente se reconfigurando ao longo das décadas e dos conflitos.

Resumo expandido

    Em duas ocasiões surge em Uma vez entrei num jardim a figura do sonho, em relatos carregados de signos e interpretações possíveis. Mas para além desses momentos em que surge tão explicita e literalmente, o sonho parece ser a própria matéria que move o filme: o sonho de um território sem fronteiras, como nos diz Ariel Schweitzer, “onde árabes e judeus coabitam, negociam, mantêm relações de vizinhança, por vezes vínculos amorosos” (Schweitzer, 2014, p. 137). Parece tratar-se de uma utopia, apontada para o futuro, mas esse sonho está, antes, calcado em um mundo passado, o Oriente Médio do início do século XX, anterior ao triunfo do movimento sionista na Palestina e ao despertar do nacionalismo árabe. O sonho de um “retorno em direção ao futuro” (Schweitzer, 2014, p. 138). Nesse mundo viveram os antepassados de Avi e Ali, que saem em busca de seus rastros, escavando suas ruínas, cruzando diferentes espaços e temporalidades para, quem sabe, sonhar um outro tempo de coabitação desses dois povos reunidos em suas histórias de exílio e despossessão.
    Logo no início do filme somos apresentados a seu mote e acompanhamos a negociação que o torna possível. Negociação que não terminará no começo, a feitura do filme e a relação que nele se dá voltarão à baila em diversas ocasiões. Um filme que se faz enquanto dele se fala, uma conversa que se dá enquanto sobre ela se conversa: metafilme, metaconversação.
    Também de início temos várias pistas da relação entre sujeito filmado e sujeito que filma (que, por sua vez, também é filmado, protagonizando conjuntamente o filme): o cenário é uma cozinha, espaço doméstico e de intimidade, e não tardará para sabermos que a amizade entre eles data de trinta anos. A língua é o hebraico, falado fluentemente por Ali, mas entendemos logo que ele é palestino e que essa origem está no cerne da proposta do filme. Por isso sua preocupação com o que seria esse filme feito em conjunto, já que, ao fim e ao cabo, argumenta Ali, será Avi quem terá o verdadeiro domínio, na condição de cineasta. Ali está não apenas apreensivo com sua imagem individual, mas sobretudo quanto à maneira como ela será incorporada à narrativa do conflito. “O que me aflige é o fardo do conflito que pesa sobre mim, na minha consciência, no meu envolvimento, nos meus desesperos, minhas expectativas e esperanças… (…) eu quero fazer algo com esse peso”. O que se coloca aqui é a articulação entre a experiência histórica individual e sua dimensão coletiva, que parecem ainda mais indissociáveis para aqueles emaranhados em situações de conflito e opressão. No filme, a passagem de uma à outra é uma constante nos diálogos travados entre os dois amigos, os pequenos fatos da vida privada se conectam a alguns dos mais emblemáticos eventos da história “maior” da região, assim como convivem num mesmo parágrafo diferentes temporalidades e espaços, angústias e alegrias pessoais com aflições e júbilos coletivos. O desenrolar da obra mostrará também que o desequilíbrio temido por Ali se revelará invertido, a tal ponto ele ocupará a cena com sua presença de espírito e conduzirá o filme.
    Sem pretender equacionar a intricada questão na qual se lança, Uma vez entrei num jardim propõe novas camadas e procedimentos para pensar e filmar a história que enlaça Palestina e Israel, entre narrativa oficial e experiência individual, entre política e amizade.

Bibliografia

    BUTLER, Judith. “Lampejos” A política messiânica de Benjamin. In: Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2017. p. 103-117

    GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apagar os rastros, recolher os restos. In: SEDLMAYER Sabrina e GINZBURG, Jaime(org.). Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012.

    GUIMARÃES, César Geraldo. Entre muitos, entre dois: a imagem coabitada. In: Revista Significação, v. 44, n.47, p.19-32, São Paulo, jan-jun 2017

    SCHWEITZER, Ariel. Avi Mograbi e o “documentira”.