Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    MARCELA DUTRA DE OLIVEIRA SOALHEIRO CRUZ (PUC-RIO)

Minicurrículo

    Marcela Soalheiro é Bacharel em Comunicação Social – Cinema (2011), pela UFF e Mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM-UFF (2014) com a pesquisa JANE AUSTEN É POP – o papel do leitor e do espectador na Austen Mania. Está com o doutorado em andamento na Comunicação Social da PUC – Rio com a pesquisa: Mudança e permanência – a adaptação literária enquanto espaço de memória. É docente em Comunicação Social e Cinema. Em 2017 tornou-se representante Discente no Conselho da Socine (2017-2019).

Ficha do Trabalho

Título

    Quase memória – representações da memória na adaptação

Resumo

    O presente artigo objetiva desenvolver uma elaboração a respeito das questões inerentes à adaptação no que tange a construção do narrador, a representação da sua subjetividade e de seu fluxo de consciência para diegese fílmica. Para tanto, partiremos da análise do filme Quase Memória (2018) de Ruy Guerra, baseado no romance de Carlos Heitor Cony (1996). Utilizaremos os conceitos de Munsterberg sobre a representação da memória no cinema e de Robert Stam acerca da adaptação cinematográfica.

Resumo expandido

    O recebimento misterioso de um pacote, à primeira vista, simples: assim começa o romance de Carlos Heitor Cony, Quase Memória (1995). A partir do encontro inesperado com esse“ (…) embrulho, que parecia um envelope médio, gordo, amarrado por barbante ordinário”, se desenrola uma narrativa cravejada de reminiscências, texturas e afeto atravessada pela subjetividade de Carlos, o personagem narrador.
    Absorto nas lembranças evocadas pelo envelope, Carlos nos leva em uma jornada por suas memórias, alicerçado na profunda certeza de que o remetente é seu pai, morto décadas antes.
    Em 2018, Quase Memória se torna filme, dirigido e roteirizado por Ruy Guerra. Esta adaptação encontra alguns desafios pela escolha do objeto literário fonte: narrador em fluxo de consciência, poucas inserções descritivas espaciais, poucas interações do personagem com o mundo externo e uma relação intensa com a presentificação da memória. (MCNEILL, 2013)
    O artigo aqui proposto se debruça, então, exatamente sobre o universo diegético criado por Ruy Guerra para dar conta da jornada imersiva e subjetiva do romance pelas memórias do personagem. A escolha deste objeto se dá por entendermos que esta adaptação propõe questões interessantes para o campo da adaptação literária em três instâncias: 1) a transposição e construção do narrador e personagem principal, 2) a elaboração da narrativa a partir da narração e do fluxo psicológico do personagem literário e 3) as escolhas quanto à concretude imagética representacional da memória no cinema.
    Nossa hipótese é que o filme tensiona questões próprias à temporalidade e à sua construção diegética ao gerar o encontro do personagem consigo mesmo. A partir da presença de dois Carlos, um de 1968 e outro de 1994, ficamos presos em um “não tempo”. Em um tempo não especificado, que se move apenas através desta troca – entre passado e presente – mas que também se interrompe por esta dupla presença, teoricamente impossível.
    Para dar conta dessas questões, o filme se utiliza da presença dos dois personagens, além de inserções do que Munsterberg chamou de “cut-backs”. Tais recursos seriam as reminiscências de um passado que, para o espectador, são catalisadores de narrativa, e do que o autor chama de “caprichos da sua imaginação”, momentos em que passado possível e imaginação fantástica se misturam. É justamente essa mistura que gera um universo único, tão próprio e característico da memória.
    O diálogo improvável entre os personagens evoca o passado, e com ele, as lembranças do pai. Como enxurrada, as memórias inundam os personagens e a tela, feito água de temporal. As lembranças se tornam imagem, uma projeção na parede de vidro do apartamento de Carlos, e nós as acompanhamos através dos olhos dos dois homens. A metáfora é sensível: cinema e projeção de memória, ao mesmo tempo narrativa construída e contada. Imagens lembradas, pelos sujeitos que as detém, e compartilhadas para que se tornem objetos de espectatorialidade para os sujeitos que assistem. Assim, tornam-se imagens de troca, memórias que, agora, compartilham todos que assistem de forma conjunta àquela performance. Personagens e espectadores

Bibliografia

    CONY, Carlos Heitor. Quase memória. Editora Objetiva, 2014.
    HUYSSEN, Andreas, and Vera Ribeiro. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, práticas da memória. Contraponto, 2014.
    MCNEILL, Isabelle. Memory and the moving image: French film in the digital era. Edinburgh University Press, 2010.
    MÜNSTERBERG, Hugo. “A atenção; a memória e a imaginação e as emoções.” A experiência do Cinema. Rio de Janeiro, Edições Graal: Embrafilme (2008).
    RANCIÈRE, Jacques. “As distâncias do cinema.” Rio de Janeiro: Contraponto (2012).
    SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Companhia das letras, 2007.
    STAM, Robert, and Marie-Anne Kremer e Silva. A literatura através do cinema: realismo magia e a arte da adaptação. Ed. UFMG, 2008.