Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Arlindo Rebechi Junior (UNESP)

Minicurrículo

    Doutor e mestre em Letras pelo programa de Literatura Brasileira, da Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Comunicação Social pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). É professor do Departamento de Ciências Humanas e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da UNESP, câmpus de Bauru (SP).

Ficha do Trabalho

Título

    Eryk Rocha, João Moreira Salles e os arquivos audiovisuais

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    Em perspectiva comparada, esta comunicação analisa as formas de uso de arquivos audiovisuais em dois filmes contemporâneos do cinema brasileiro: Cinema Novo (2016), de Eryk Rocha, e No Intenso Agora (2017), de João Moreira Salles. Ambas as obras, cada uma a seu modo, se reapropriam de imagens e sons de material audiovisual pré-existente, produzido em grande parte nos anos 1960, com vistas a refletir sobre o tempo presente sob os seus aspectos políticos e estéticos.

Resumo expandido

    O uso de imagens pré-existentes no processo de construção fílmica acompanha a história do audiovisual durante o século XX. No plano documental, tem-se o caso pioneiro da cineasta russa Esfir Shub, que, contando com uma significativa experiência de montadora na companhia estatal Goskino, realizou uma trilogia documental, a partir da compilação de filmes anteriores à Revolução de 1917. No plano dos filmes ditos experimentais, já em 1936, Joseph Cornell realiza o filme Rose Hobart (1936) com o reemprego das imagens e cenas do filme East of Borneo (1931), de George Melford.
    Na dimensão da crítica e das pesquisas sobre os filmes de reapropriação de material pré-existente, destacam-se duas obras pela sua importância histórica. Em 1964, o historiador do cinema Jay Leyda, no livro Films beget films: a study of the compilation film, é um dos primeiros a explorar esses tipos de filmes. Seu interesse está, substancialmente, no que ele denomina ser os filmes de compilação de base documental. Quase 30 anos depois, em 1993, William C. Wees, em seu livro Recycled images: the art and politics of found footage films, vai ampliar a discussão iniciada por Leyda e vai se concentrar na análise de filmes, dentro de um contexto do underground norte-americano, que fizeram uso da técnica de found footage.
    Nesse horizonte teórico-metodológico, este trabalho procura realizar uma análise, no sentido comparativo, de dois filmes brasileiros que recorrem ao reemprego de imagens pré-existentes.
    Em Cinema Novo (2016), Eryk Rocha parte de um pressuposto: ainda que tenha havido, como o próprio autor enunciou, entrevistas com mais de 20 participantes do movimento do Cinema Novo, decidiu-se, em primeiro lugar, que todo o filme devesse ser construído no processo de montagem, com imagens de arquivos de época do movimento; em segundo lugar, apenas os artistas cinema-novistas, sejam por meio de seus filmes ou por depoimentos de época, seriam, em exclusividade, a voz mais aparente na narrativa. Resultou-se em um filme montado a partir de fragmentos de imagens e sons que, por parte do seu autor, revelam não só uma evidente iniciativa de relacionar diferentes imagens e sons de distintos filmes dos anos 1960-70 e, ao mesmo tempo, ofertar um conjunto de regularidades de composição entre eles, mas também expõe, sem didatismos, o movimento pelas suas imagens mais domésticas, familiares e de bastidores.
    Em No Intenso Agora (2017), de João Moreira Salles, a forma de pensar as imagens advindas de arquivos é um tanto diferente. O ponto de partida é material de arquivo familiar com os registros visuais e o diário de viagem realizados pela mãe de Salles, na China, no período dos anos da Revolução Cultural. Deste material de características privadas, parte-se para explorar outras formas materiais, no caso imagens de movimentações políticas dos anos 1960, na França, na Tchecolosváquia e, em menor grau, no Brasil. Sua investigação focaliza esforços interpretativos em duas questões que parecem centrais: a primeira diz respeito ao modo como as imagens representam, quer queiram ou não seus produtores, sempre uma ação política e são formas de construção das vicissitudes de um tempo presente; a segunda estabelece uma possível interpretação sobre a intensidade das paixões, em especial as de caráter político, embora não só esta.
    Em termos comparativos e hipotéticos, para esta comunicação, parte-se do princípio de que as duas obras se lançam em processos e estratégias de montagem bastante distintos, de modo a reempregar imagens de um tempo passado de forte apelo político e, com isso, garantir a construção de um discurso de análise crítica sobre os processos políticos nos anos 1960 e a potência de síntese de suas imagens e sons. Em que pesem as diferenças de modos de narrar, as duas obras nos alertam que estamos diante de um mecanismo de manipulação, sem desvelamentos e, sim, com formas de construção próprias da montagem fílmica; reveladoras, portanto, de um tempo presente e contemporâneo.

Bibliografia

    BRENEZ, Nicole. Montage intertextuel et formes contemporaines du remploi dans le cinema experimental. Cinemas, v. 13, n. 1-2, p. 49–67, 2002. [doi:10.7202/007956ar].
    DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Uma impressão freudiana. Trad. Cláudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Levantes. Trad. Edgard de Assis Carvalho, Eric R. R. Heneault, Jorge Bastos e Mariza Perassi Bosco São Paulo: Edições Sesc, 2017.
    LEYDA, Jay. Films beget films: a study of the compilation film. New York: Hill & Wang, 1964.
    WEES, William C. Recycled Images. The Art and Politics of Found Footage Films. Antology Film Archives: New York City, 1993.