Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    David Ken Gomes Terao (UNICAMP)

Minicurrículo

    David Terao é aluno regular do Programa de Pós-Graduação em Multimeios (PPGMM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em nível de mestrado, onde desenvolve, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Maciel Guimarães Júnior, pesquisa sobre Christian Petzold. Durante a graduação na Universidade Federal do Ceará (UFC) foi bolsista do CNPQ, pesquisando mercado audiovisual brasileiro sob a orientação do Prof. Marcelo Gil Ikeda. Tem textos publicados em Portugal sobre Wim Wenders e Kenneth Anger.

Ficha do Trabalho

Título

    Phoenix (2014) e o percurso melodramático de Christian Petzold

Resumo

    A comunicação visa apresentar Phoenix (2014) como a obra que melhor sintetiza a abordagem de Petzold em relação ao melodrama. Se em seus filmes anteriores o uso dessas convenções se dava pela via da rarefação, em Phoenix essa baixa frequência dramática é aplicada em uma mise-en-scène clássica auto-reflexiva que revisita Hitchcock, o filme de holocausto e os temas do cinema alemão. Por esses meios então, Petzold questiona no filme a natureza do pathos melodramático e da crença do espectador.

Resumo expandido

    Realizando o que Jaimey Fisher (2013) chama de “arqueologia fantasmagórica dos gêneros”, Petzold revisitou o melodrama em algumas obras de sua filmografia, dando a cada um desses filmes uma leitura diferente do gênero. Em Wolfsburg (2003) a narrativa moral em meio ao conflito de classes se reconfigurava pelas questões econômicas contemporâneas. Já em Fantasmas (2005) o melodrama surgia em meio a ruínas do que eram as relações afetivas e familiares no melodrama clássico e lugares marcados pela inscrição do passado da Alemanha na paisagem do presente, configurando um filme ainda mais marcado pela rarefação e pela ausência de um maior conhecimento dos personagens por parte do espectador. Após o drama histórico empreendido em Barbara (2012), Petzold retomou um olhar para o passado da Alemanha em Phoenix (2014), onde desenvolve uma narrativa situada em 1945 na Berlim do pós-Guerra.

    A história conta a história de Nelly, uma mulher judia sobrevivente do holocausto que, após um resgate dos campos de concentração e uma cirurgia de reconstrução facial sai em busca do marido Johnny que, embora não a reconheça, percebe nela uma semelhança com sua mulher que crê estar morta e propõe que ela se passe por ela para que ambos tenham acesso ao seu dinheiro. Apresentada em uma mise-en-scène que remete à era clássica do gênero, essa narrativa no entanto cai rapidamente no absurdo, pedindo do espectador um olhar outro que o da identificação que o naturalismo geralmente visa agenciar. Em vez de desenvolver uma narrativa pautada na verossimilhança dos fatos, o filme desenvolve um jogo de atuação entre os personagens que se dá pela chave do Reenactment dos fatos históricos, criando um comentário ao próprio processo da encenação e aos elementos que criam a crença no espectador.

    Tal narrativa atravessa referências diversas no cinema, as quais tem a ver tanto com o recorte histórico em que ela se dá quanto com as estéticas cinematográficas que a antecederam. O holocaust film, que se dá sempre na chave do melodrama é reconfigurado aqui com certo distanciamento que evita a espetacularização dos eventos e comenta de que maneira os relacionamentos privados reproduziam a esfera de poder do regime nazista. Phoenix também revisita diversos códigos do expressionismo alemão que, como observa Sigmund Kracauer, (2004) manifestou o mal-estar político que antecipou o nazismo na Alemanha. Da mesma maneira, expressando através de sua estética o estado das coisas político, o cinema de Fassbinder, sobretudo em O Casamento de Maria Braun (1979) proveu uma base para a narrativa de uma mulher que busca reconstruir a sua vida após a guerra, bem como a proposta de uma reconfiguração das convenções melodramáticas. Por fim, é possível observar que essa exposição do processo de encenação encontra semelhança em Um Corpo Que Cai (1958), onde ambos os personagens masculinos se colocam como encenadores e “criam” mulheres à sua medida. No entanto, em Phoenix essa relação é questionada, uma vez que o protagonismo é da mulher colocada como algo a ser encenado e o ato de encenar é colocado ele mesmo em questionamento.

    Phoenix se aproxima bem mais do cinema clássico do que as obras anteriores de Petzold de modo que sua forma e narrativa comentam a composição das tramas melodramáticas e o processo pelo qual o pathos melodramático conduz o espectador à crença, mesmo diante de algo totalmente alheio ao realismo. Assim, Phoenix à sua maneira “O que é um melodrama?”. Petzold se inserindo na linhagem de cineastas que optaram pela auto-consciência formal como Sirk e Fassbinder e desenvolvendo uma discussão de como as formas clássicas sobreviveram e foram repensadas na contemporaneidade.

Bibliografia

    ELSAESSER, Thomas. Tales of Sound and Fury: Observations on the Family Melodrama. In Imitations of Life: a reader on film and television melodrama. Wayne State University Press, 1991

    FISHER, Jaimey. Christian Petzold. University of Illinois Press Language, 2013

    FISHER, Jaimey. Petzold’s Phoenix, Fassbinder’s Maria Braun, and the Melodramatic Archaeology of the Rubble Past. In Senses of Cinema, September 2017, Issue 84, 2017

    KRACAUER, Siegfried. From Caligari to Hitler: a psychological history of the German film. Princeton: Princeton University Press, 2004

    STAAT, WIM. “Christian Petzold’s melodramas: from unknown woman to reciprocal unknowness in Phoenix, Wolfsburg and Barbara” In Studies in European Cinema, 13:3, 2016

    SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno: [1880-1950]. São Paulo, SP: CosacNaify, 2011

    ZAMOUR, Françoise. Le mélodrame dans le cinéma contemporain: Une fabrique de peuples. Presses universitaires de Rennes, 2017