Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Fabiana Paula Bubniak (UNISUL)

Minicurrículo

    É doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). É Mestre em Ciências da Linguagem pela Unisul (2016) e Especialista em Comunicação Audiovisual pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2003). Possui graduação em Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2000). É professora de Produção Audiovisual do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.

Ficha do Trabalho

Título

    O Menino, a Voz e o Sentido: uma análise da voz em O Menino e o Mundo

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Resumo

    O objetivo desse trabalho é analisar o tratamento da voz no filme de animação O Menino e o Mundo (2014) dirigido por Alê Abreu. A partir das teorias de Mladen Dolar, Jacques Lacan, Jacques Derrida e Giorgio Agamben sobre a voz, relaciona-se os diálogos, os sons e as músicas do filme com uma voz que está além da linguagem. A voz tratada aqui não é um veículo para o sentido (logos), não é um fim nela mesma e nem representa uma cultura específica. Adquirindo assim, uma potência política.

Resumo expandido

    O Menino e o Mundo é um filme brasileiro dirigido por Alê Abreu e lançado em 2014. Foi indicado ao Oscar de melhor filme de animação em 2015. O longa conta a história de um menino que vê seu pai deixar o campo por falta de trabalho e pegar um trem rumo à cidade grande. Ele parte em busca do pai e encontra no caminho um mundo de exploração do trabalho, de urbanização descontrolada, de destruição da natureza, de consumismo desenfreado, de governos autoritários mas também de um povo que resiste através da arte, que não deixa o colorido da vida desaparecer, que é abatido e que renasce ainda mais forte. Uma característica que ganha destaque no filme é seu tratamento da voz e esse é o objeto de análise deste trabalho.
    No filme, a fala tem um papel secundário. Pode-se até afirmar que inexiste, a depender do conceito utilizado. Os personagens “falam” durante o filme, porém não utilizam nenhuma língua conhecida[1]. Essa fala esvaziada de significado é o que Jacques Lacan chama de voz. A voz está relacionada com o indizível (MILLER, 2013 p. 11)
    Logo no início do filme, o menino presencia uma conversa entre seus pai. Ele não olha diretamente para os dois mas sim para suas sombras. Essa imagem simboliza a relação que temos com a fala nesse momento: uma presença que é ao mesmo tempo ausência. Supomos que ela exista, entretanto o sentido nos escapa. Existe aqui uma voz que transcende a linguagem.
    Está claro que o que assistimos é uma história contada pelo ponto de vista de uma criança, portanto esses diálogos devem vir da sua maneira de falar, da sua própria língua. Lacan nomeia de lalangue essa maneira singular de falar, essa língua inventada que, segundo ele, não é uma língua mas um real da língua, que não está no simbólico como as línguas conhecidas. Segundo MILLER (1996), “há muito mais coisas na lalangue do que sabe a linguagem. O inconsciente é feito de lalangue, cujos efeitos vão além de comunicar.” Dessa forma, a lembrança da infância desse menino está carregada de sentimentos e emoções. O sentido do que está sendo dito perde relevância perto do indizível, que é o vazio deixado pelo pai. A falta que o move a buscar o mundo.
    Vale ressaltar que o personagem do menino não emite sons com uma característica glossolálica[2] como os que ele testemunha. Os sons emitidos por ele se assemelham mais a suspiros (de surpresa, de tristeza, de alegria), ouve-se também sua respiração elaborada quando está ansioso ou com medo. Esses sons carregam mais sentido no filme do que qualquer fala. Segundo Dolar (2006), esses sons representam uma não-voz que é pré-linguística.

    A trilha musical do filme traz canções interpretadas na mesma língua dos personagens, ou seja, nessa voz glossolálica que apresenta uma outra dimensão: uma voz sem sentido (logos) aliada à música, uma voz que, segundo Platão, pode abalar convenções políticas e sociais por ser sedutora e causa de desejo. A voz além do logos é causa de perigo. Ela não tem limite e não se submete à autoridade. (DOLAR, 2006). Numa dimensão política da voz no filme, é possível relacionar os conceitos de fonocentrismo (a valorização da fala), logocentrismo (o sentido como centro do discurso) e etnocentrismo (uma cultura é superior à outra) e de como esses preconceitos, que segundo Derrida (1973) são fundantes do pensamento ocidental, são descontruídos a partir de uma voz que não se perde na produção de sentido, como aconteceria em um enunciado logocêntrico e que também não é o fim nela mesma. Uma voz que não é linguagem, nem presença; nem veículo, nem fim; que interfere na estética mas não se contém nela.

    [1] Os diálogos foram gravados em uma língua inventada que seria o Português lido de trás para frente.
    [2] O termo glossolalia tem origem no falar em língua citado na Carta de Paulo aos Coríntios, na Bíblia. Agamben afirma que “o ‘falar em língua’ (lalein glosse) refere-se a um acontecimento de palavra – a glossolalia – no qual o falante fala sem saber o que diz.” (AGAMBEN, 2008 pos. 1205)

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: O arquivo e a testemunha [Homo Sacer, III] (Coleção Estado de Sítio). São Paulo: Boitempo, 2008. Versão Kindle.
    DERRIDA, Jacques. Gramatologia,. São Paulo: Perspectiva, 1973
    DOLAR, Mladen. A Voice and Nothing More. Londres: The MIT Press, 2006.
    MILLER, Jacques-Alain. Jacques Lacan e a voz. Opção Lacaniana online nova série, Ano 4, Número 11, julho 2013
    MILLER, Jacques-Alain. Matemas I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.