Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Couto da Silva (UFRJ)

Minicurrículo

    – Graduado em Comunicação Social (Habilitação em Rádio e TV), em 2017, pela UFRJ.
    – Cursa o mestrado no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ, orientado pela Profa. Dra. Consuelo Lins.
    – Participa dos grupos de pesquisa Núcleo de Cultura e Tecnologia da Imagem (N-IMAGEM) e Práticas e imagens documentais na cultura audiovisual contemporânea.
    – Cursa especialização em Arte e Filosofia oferecida pelo Departamento de Filosofia da PUC-Rio.

Ficha do Trabalho

Título

    A dramaturgia da presença de Albert Serra

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Será examinado o artigo publicado em 2014 pelo cineasta catalão Albert Serra,intitulado “The Dramaturgy of Presence”, buscando encontrar formas de compreender com maior profundidade não apenas a filmografia do próprio cineasta, mas também uma determinada produção contemporânea, de diretores como Tsai Ming-Liang e Apichatpong Weerasethakul. Cremos que a dramaturgia da presença, proposta por Serra, possa ser uma operação criativa que atravessa todo um conjunto de filmes do cinema mundial.

Resumo expandido

    O diretor catalão Albert Serra tem desenvolvido uma série de trabalhos que reconfiguram os nossos modos de ver certas personagens históricas ou literárias. Em seu primeiro filme de ficção, “A Honra dos Cavaleiros” (2006), o cineasta adapta a conhecida história de Don Quixote de la Mancha, escrita pelo espanhol Miguel Cervantes no início do século XVII. Enquanto no livro lemos a história de um velho em busca de aventura, inspirado pelas histórias de cavaleiros medievais, no longa-metragem há a supressão de qualquer narrativa, e vemos Don Quixote e seu fiel escudeiro, nos intervalos das ações, deitados sobre uma mata alta agitada constantemente pelo vento, num movimento fluido que se funde com o da câmera. Serra cria uma temporalidade estendida, com longos planos cujo conteúdo narrativo é rarefeito em favor da sensação da duração. Essa proposta que visa encontrar o homem “anterior” a um regime representativo (RANCIÈRE, 2009), dos feitos e das ações, repete-se, com algumas divergências formais, nos três longas de ficção realizados posteriormente pelo artista.

    Em 2014, Serra publica um curto artigo – “The Dramaturgy of Presence” – no qual defende o resgate do ator enquanto um performer, um “gerador de gestos irrepetíveis e fatais” (p.92). A partir de escritos do crítico americano Manny Farber, o cineasta aponta que houve um declínio do ator ao longo da história do cinema, quando este deixa de ser o ponto focal para se tornar mais um elemento dentro de um projeto estético. Farber, no artigo “The Decline of Actor” (1966), relata sentir falta de uma relação misteriosa entre o ator e a cena, que, para ele, é o que “cria os momentos memoráveis de qualquer bom filme” (p.145). Essa relação nada teria a ver com a narrativa ou uma atuação “brilhante”, mas “momentos de distração periférica, desconcerto, irritação, meras cintilações de interesses céticos” (idem). O crítico faz afirmações polêmicas: reprova não apenas a atuação em filmes da grande indústria, como a de David Lean em Lawrence da Arábia (1962), mas também a de atrizes como Jeanne Moreau em Jules e Jim (1962) e Monica Vitti nos filmes de Antonioni. Mesmo os movimentos sem jeito, de “erros de cálculo”, seriam executados com uma autoconsciência que visa frisar algum aspecto significativo para o filme. Fundado nesse pensamento, Serra faz um elogio ao Chaplin anterior ao cinema sonoro, à “pureza mecânica de Keaton” (p.92), ou “a pureza frenética e selvagem” (idem) de o Gordo e o Magro.

    Tendo o performer como a base de seu trabalho, Serra relata no texto que sua escolha de filmar com equipamento digital deve-se ao fato de que, assim, toda estrutura técnica está a serviço do ator, podendo gravá-lo pelo tempo necessário, em diferentes situações e circunstâncias inesperadas. A emoção do filme viria da presença do ator, que é aquilo que faz o tempo visível para nós. Para Gilles Deleuze (2007) é efetivamente no corpo do cotidiano em que podemos ver o tempo, e o gesto se origina de uma atitude “que não depende de uma história prévia […] o gestus é o desenvolvimento das atitudes nelas próprias” (p.230-231). Apesar de não citar o filósofo francês, Serra se aproxima de suas proposições acerca de aspectos da imagem-tempo ao atacar frontalmente a psicologização presente numa dramaturgia da ação, ideia formulada pelo cineasta a partir do texto “Dois Mitos do Jovem Teatro”, de Roland Barthes (2001).

    Nesse trabalho, pretende-se examinar o texto de Serra, buscando encontrar nele formas de compreender com maior profundidade não apenas a filmografia do próprio cineasta, mas também uma determinada produção contemporânea, de diretores como Tsai Ming-Liang e Apichatpong Weerasethakul. Cremos que a dramaturgia da presença, proposta por Serra, possa ser uma operação criativa que atravessa todo um conjunto de filmes do cinema mundial e que se relaciona com questões levantadas por Jacques Aumont sobre o fim ou não da encenação na conclusão de “Le cinéma et la mise em scène” (2006).

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. Le cinéma et la mise en scène. Paris: Armand Colin, 2006.

    BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2009.

    FARBER, Manny. Negative Space. Manny Farber on the Movies. New York: Prager Publishers, 1971.

    SERRA, Albert. The dramaturgy of presence. In: Cinema Comparat/ive Cinema, Vol. II, No. 4, 2014. p.91-94.