Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Kitofi Tonelo (UNICAMP)

Minicurrículo

    Gabriel Kitofi Tonelo é pesquisador em cinema documentário. Doutor (2017) e Mestre (2012) pelo Programa de Pós-Graduação em Multimeios da UNICAMP. Sua pesquisa de doutoramento envolveu o estudo dos documentários autobiográficos, com passagem como Fellow do departamento Visual and Environmental Studies (VES) da Universidade Harvard (Cambridge, MA, EUA). Integrante do CEPECIDOC – Centro de Pesquisas em Cinema Documentário da UNICAMP.

Ficha do Trabalho

Título

    Documentário, Autobiografia e a contingência da morte: Silverlake Life

Mesa

    Eu, na tela, ser o outro. Aproximações ao filme em primeira pessoa.

Resumo

    Silverlake Life: the view from here (Tom Joslin e Peter Friedman, 1993) aborda o desenvolvimento da AIDS no corpo do cineasta Tom Joslin, registrado por meses e que culmina em sua morte. Destacaremos os elementos narrativos que singularizam a empreitada autobiográfica do filme. Enfatizaremos a análise da construção de sua temporalidade, alicerçada em uma espécie de “presente-futuro” diante da expectativa da morte do cineasta-autobiógrafo e que flexiona particularmente seu ato autobiográfico.

Resumo expandido

    Veiculado em 1993 na rede pública de televisão PBS, Silverlake Life: the view from here (Tom Joslin e Peter Friedman, 1993) detém um lugar importante na filmografia documentária estadunidense da década de 1990. A partir de uma narrativa autobiográfica, o filme tocou de maneira pungente um dos principais temas concernentes ao debate público de sua conjuntura: a escalada da epidemia da AIDS. Ao detectar o agravamento da sua condição, o cineasta-autobiógrafo Tom Joslin decide filmar o desenvolvimento dos sintomas da AIDS em seu corpo por meses a fio, em meio à sua atmosfera doméstica e junto de seu companheiro, Mark Massi, também diagnosticado com a doença.
    O ápice narrativo de Silverlake Life consiste na morte de Joslin. A tomada do corpo inerte do cineasta-autobiógrafo, revelado por meio da câmera sustentada por seu companheiro, momentos após o ocorrido, com as mãos trêmulas e a voz embargada, é um importante momento da história do documentário autobiográfico. Citando-o, o autor Jim Lane sustenta que o filme, a partir de sua contundência narrativa, influenciou as reflexões acerca do papel da autobiografia e do documentário naquele momento (LANE, 2002, p.3). Por sua vez, a autora Barbara Abrash indica a potência da autobiografia como abordagem de um tema socialmente urgente a partir da “face humana” que emerge da empreitada do cineasta-autobiógrafo de fazer-se ver vivendo e morrendo diante da câmera (ABRASH, 2007, p.9).
    Apesar de sua importância, Silverlake Life foi pouco explorado nos estudos nacionais sobre documentários autobiográficos. Nesse sentido, o intuito desta apresentação é o de expor aspectos narrativos e estilísticos que singularizam a empreitada do filme no que concerne os cruzamentos possíveis entre documentário e autobiografia.
    Daremos ênfase à análise da temporalidade narrativa de Silverlake Life, apontando-o como principal responsável de sua potência fílmico-autobiográfica. O caminho de investigação que deve ser exposto é o de que a relação entre tempo e autobiografia no filme é contundente na medida em que lida, em níveis distintos, com a expectativa do cineasta-autobiógrafo em relação à sua própria morte. Se, por um lado, a construção temporal de Silverlake Life evoca o domínio vérité ao construir-se como narrativa calcada no “tempo presente” do cineasta-autobiógrafo e de seu cotidiano, há, por outro, uma projeção temporal para a “posterioridade” que deve ser investigada. A força propulsora da empreitada autobiográfica de Tom Joslin – e que se faz visível ao longo do filme – consiste na cristalização da experiência vivida diante da circunstância particular do estágio terminal de sua doença e que tem como alvo um “futuro indefinido”, que seria alcançado e materializado apenas após a morte do cineasta-autobiógrafo. Nesse sentido, devemos apontar que a narrativa de Silverlake Life é alicerçada temporalmente em uma espécie de “presente-futuro”, que flexiona de maneira singular o ato autobiográfico que presenciamos. Existe um sempre presente espectro temporal, de expectativa à morte e à posterioridade, que se transborda na circunstância das tomadas fílmicas e que projeta-se na montagem póstuma de sua narrativa, a partir das indicações (um “roteiro”) deixado antes da morte de Tom Joslin.
    Finalmente, exporemos a relação entre o filme e a História do documentário autobiográfico. Silverlake Life leva as reivindicações referenciais herdadas pelo cinema direto a patamares pouco explorados autobiograficamente. Devemos frisar que, diferentemente da produção autobiográfica construída no entendimento de uma era “pós-vérité” (RENOV, 2004, p.171) e no afastamento das propriedades referenciais do cinema documentário, Silverlake Life confirma o adensamento das preocupações conceituais do cinema direto em uma perspectiva autobiográfica que, conforme as palavras de Susanna Egan a respeito do filme e sobre as quais devemos refletir em nossa apresentação, “impede qualquer simples evasão pós-estruturalista” (EGAN, 1994, p. 609).

Bibliografia

    ABRASH, Barbara. “The View from the top: P.O.V. Leaders on the Struggle to Create Truly Public Media”. Center for Social Media, November 2007.

    EGAN, Susanna. “Encounters in Camera: Autobiography as Interaction”. Modern Fiction Studies 40.3. p. 593-618, 1994

    GERNALZICK, Nadja. “Lives and Deaths in Photographic Tense: Temporality and Filmic Automediality After the Indexical Turn”. a/b: Auto/Biography Studies, 29:2, p. 225-248. 2014.

    GUSDORF, Georges. Conditions and Limits of Autobiography. In: OLNEY, James (org.). Autobiography – Essays Theoretical and Critical. Princeton: Princeton University Press, 1980. p. 28-49.

    LANE, Jim. The Autobiographical Documentary in America. Madison: The University of Winsconsin Press, 2002

    NICHOLS, Bill. Blurred Boundaries: Questions of Meaning in Contemporary Culture. Indianapolis: Indiana University Press, 1994.

    RENOV, Michael. The Subject of Documentary. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004