Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Karla Bessa (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas, onde trabalha atualmente como Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu. É professora dos programas de pós-graduação em Multimeios/IA e Ciências Sociais/IFCH nesta mesma Universidade.

Ficha do Trabalho

Título

    Menos roupa e mais pão. Uma dançarina e suas cobras

Seminário

    Corpo, gesto e atuação

Resumo

    Propõe-se uma leitura do filme Luz Del Fuego de David Neves (1982) a partir de uma abordagem queer. Isto é, que indaga a produção das lutas representacionais dispostas visual e narrativamente no filme na perspectiva das sexualidades e corporalidades que se encontram subalternizadas pela cor/classe e às margens das normas hegemônicas de gênero e sexualidade. Neste sentido, prioriza na leitura do filme os modos como masculinidades e feminilidades disputam espaço na coreografia dos corpos em cena.

Resumo expandido

    Luz Del Fuego de David Neves é uma cinebiografia da dançarina Dora Vivacqua (1917-1967), conhecida por se apresentar no palco seminua e enrolada em uma cobra gigante. O roteiro do filme, assinado por Aguinaldo Silva e Joaquim Carvalho, traz na sua apresentação um desafio historiográfico: “se algum dia elas (feministas) precisarem de uma protagonista para simbolizar sua luta, podem resgatar seu cadáver das profundezas lodosas da baía da Guanabara onde ele, para nós ainda permanece enquanto símbolo. Ela é Dora Vivacqua, ou Luz Del Fuego”. Naquele momento o apelo não teve grande ressonância. No entanto, no século XXI, na conhecida primavera feminista, parece-me que chegou o momento.
    No seminal livro de Bernardet, escrito em 1967, o autor destaca a existência, de um cinema nacional devoto do triângulo sexo, abjeção e anarquia, seja por motivos comerciais, sensacionalistas, seja por motivos sociológicos. Não por coincidência, várias peças teatrais de Nelson Rodrigues foram adaptadas para filmes, trazendo temas como: virgindade, estupro, ninfomania, pederastia, lesbianismo (sic), prostituição, incesto e políticos hipócritas. Em suas palavras “burgueses enriquecidos comportam-se como imperadores romanos aos quais o dinheiro dá todo poder sobre os outros”. Aproximadamente uma década depois, no redespertar da democracia brasileira, o filme Luz Del Fuego (1982) não trazia uma novidade em si ao desfilar cenas e incansáveis planos da nudez de sua atriz (Lucélia Santos) interpretando a naturista Luz Del Fuego. Talvez, devido a uma década ou mais de exposição às pornochanchadas, ou marcados pelo sucesso das mulatas do Sargentelli, a exibição de uma mulher nua e sua pauta libertária já não escandalizava como se supunha, nem despertava solidariedade ou simpatia por sua causa. As vedetes dos anos 30 aos 50, que escandalizaram com suas duas peças em palco soavam distantes e démodé.
    O que nos move hoje a este reencontro com Luz Del Fuego, o filme, é justamente a sua facticidade (Adorno, 1970), o emaranhamento de camadas de cenografia (o teatro, a ilha, a cidade), de corpos-memória, corpos-fetiche (Canevacci, 2006) e corpos-sem-órgãos (Deleuze & Guatarri 2008). Um diálogo com a história do nu e do sexo no cinema (Krzywinska, 2006); das relações entre a economia política das subjetividades e das estéticas postas tanto pelas molduras do filme quanto por seu conteúdo ficcional.
    Uma posição do olhar nos guia nesta empreitada analítica. Trata-se de uma abordagem queer, que indaga a produção das lutas representacionais dispostas visual e narrativamente no filme na perspectiva das sexualidades e corporalidades que se encontram subalternizadas pela cor/classe e às margens das normas hegemônicas de gênero e sexualidade. Neste sentido, prioriza na leitura do filme os modos como masculinidades e feminilidades disputam espaço na coreografia dos corpos e mise en scène que se estruturam no enlace entre campo e extra-campo do filme (Dyer, 2011). Nesta apresentação as personagens protagonistas e seus respectivos atriz (Luz Del Fuego/Lucélia Santos) e ator (Senador /Walmor Chagas) estarão no centro do debate.
    Dos argumentos da reflexão, adianto o entendimento de que a Luz Del Fuego de Lucélia Santos iluminou um modo de ver e enquadrar na tela um corpo subversivo e perigosamente livre, que não resistiu física (Dora Viláqua) e simbolicamente aos violentos cortes e dejetos que o fez se afundar no mar. Por outro lado, o Senador, narrador do filme, constitui uma personagem densa, cuja atuação de Walmor Chagas evoca as muitas e contraditórias personagens do seu currículo cinematográfico e televisivo, sendo um ícone da granfinagem cafajeste, representada com estilo. Isso torna a personagem angular e nos leva a indagar, do ponto de vista da masculinidade ali performada, quantas diferentes e divergentes masculinidades o habitam. No jogo de corporalidades há ainda outras relevantes atuações , que corroboram o tom transviado e bixa-preta compondo o entorno de Luz Del

Bibliografia

    ADORNO, T. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 1970.
    AUMONT, J. O cinema e a encenação. Lisboa, Edições Texto e Grafia, 2008
    BIDASECA, Karina. Estéticas descoloniales, cuerpos, tiempo y espacio:lós selknam de tierra Del fuego y lãs siluetas de Ana mendieta. In: ROCHA, M (org). Genero, Cultura e Midia. Fortaleza: Expressao Gráfica e Editora, 2016
    Dyer, R. Only Entertainment. London and New York: Routledge. 2012
    SILVA, A. & CARVALHO, Joaquim. Luz Del Fuego. Rio de Janeiro: Codecri Morena Produtores de Arte. 1982.
    KRZYWINSKA, Tanya. Sex and the cinema. London: Wallflower Press. 2006
    CANEVACCI, M. Fetichismos Visuais. Corpos eropticos e metrópole comunicacional. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.