Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    juliana serfaty (PPGCINE)

Minicurrículo

    Juliana Serfaty: Graduada em Comunicação Social – Jornalismo e Pós-Graduada em Roteiro para Cinema pela PUC Rio. Professora de Direção na Academia Internacional de Cinema. Dirigiu e roteirizou quatro curtas metragens. Contemplada no edital do Rumos Itaú Cultural para realização do projeto “Diário de férias”. Organizadora da curadoria e coordenação geral de produção de três mostras de cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    A INVENÇÃO DE IMAGINÁRIOS PERIFÉRICOS NO CINEMA HÍBRIDO CONTEMPORÂNEO

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    Uma das formas encontradas pelo cinema contemporâneo para desconstruir uma imagem hegemônica da periferia é apropriar-se de elementos da ficção a fim de multiplicar as possibilidades de configuração do sujeito periférico. Partindo dessas escritas híbridas, será realizada uma aproximação entre Quintal(Andre Novaes, 2015) e Filme aborto (Lincoln Péricles, 2015), que usam estratégias da ficção para criar imaginários sobre a periferia urbana, atravessando a fronteira entre vivido e imaginado.

Resumo expandido

    Para Deleuze (1985:183), “O que se opõem à ficção não é o real não é a verdade que é sempre a dos dominantes ou dos colonizadores, é função fabuladora dos pobres, na medida em que dá ao falso a potência que faz deste uma memória, uma lenda, um monstro”. Tal elaboração propõe pensar a potência do falso como disparador de histórias silenciadas, esquecidas, que resistem ao imaginar outros mundos possíveis. Este trabalho busca examinar como esse gesto fabulador encontra abrigo na produção do cinema contemporâneo brasileiro, no qual a figuração do sujeito periférico e sua condição precária estão em processo de invenção.
    Em estudos recentes, Angela Physton mostra que, desde 2014, um corpus considerado de filmes do cinema brasileiro utiliza artifícios do cinema de ficção. Segundo ela, são estéticas híbridas, que mesclam elementos do gênero do fantástico, do horror, do melodrama, como meios de desestabilizar discursos cristalizados e afirmar o potencial da imaginação sobre uma realidade. “Certos filmes se utilizam de certas convenções do gênero da ficção mais pelas possibilidades que os artifícios utilizados têm para provocar fissuras, para encontrar soluções estéticas emancipatórias para problemas de ordem política, não abandonando várias das relações possíveis entre o cinema o real e se colocam naquele conhecido, porém incerto, território além da linha” (PHYSTON, 2015:68). Claudia Mesquita também analisa, em relação ao filme “Branco sai, preto fica”, de Adirley Queirós, as implicações da mescla dos procedimentos da ficção científica com o testemunho real dos sujeitos periféricos. Para ela, “Os desvios ficcionais permitem repor a potência de agir dos protagonistas pobres, reabrindo via dramaturgia e encenação, o futuro de suas histórias amputadas”. Nota-se, em ambas as autoras, a atenção à dimensão política dessas propostas, cujo gesto inicial parte do real, mas alcança voos para inventar outras narrativas diante do absurdo do presente.
    Nas obras selecionadas, o curta “Quintal” e o longa “Filme aborto”, ambos de 2015, percebe-se a presença do elemento absurdo na escrita fílmica. No primeiro, realizado na periferia de Contagem (BH), o absurdo está na aparição de um portal que afeta a rotina de uma família no subúrbio de Minas; no segundo está no próprio corpo do personagem. O longa de Lincoln escolhe falar sobre aborto, mas quem passará por esse processo é o homem. Nos dois casos, o recurso da ficção, de forma distinta, subverte as configurações binárias e multiplica as possibilidades de esses personagens reais viverem outras alteridades.
    Apesar de os filmes em questão não se enquadrarem tão facilmente em uma categoria de gênero, pertencem a um regime híbrido. Tanto no curta, quanto no longa, há traços de fabulação que flertam com o “absurdo”, evocando o imaginário non sense, o realismo fantástico e até a comédia de bons costumes, conjugando com a condição desses sujeitos em territórios periféricos. Tal aspecto leva à busca por escritos que ampliem o campo de reflexão deste estudo. Aline Almeida Moura (2008:47) revela que as primeiras narrativas desse gênero surgem em uma atmosfera de agonia e desamparo no fim do século XIX, início do século XX, em que as bases científicas e racionalistas já não explicavam mais satisfatoriamente a realidade. “Há no Absurdo um engajamento na mudança dessa situação, já que a narrativa do absurdo normalmente não quer ser só ficção, mas acoberta uma realidade histórica, situada em tempos e espaços numericamente determinados” (MOURA, 2008:47).
    Tendo em vista essas correlações entre os filmes, esta pesquisa irá aproximá-los no que tange à apropriação do imaginário fabular e absurdo, a fim de pesquisar os modos com os quais se inventa uma outra condição periférica contemporânea. Não se trata apenas de um elogio ao artifício, mas também de se perguntar como a potência do falso, ao se apropriar da combinação de elementos de regimes distintos, produz novas escritas acerca do imaginário periférico.

Bibliografia

    DELEUZE, G. Cinema II: a imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1984.

    MESQUITA, C. Memória contra utopia. Branco sai preto fica (Adirley Queirós, 2014). In: Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação, 24., Brasília. Anais. Brasília, 2015.

    MOURA, A. A. Absurdo e insólito banalizado: Gêneros ou categorias de gênero?”. In: PAINEL: REFLEXÕES SOBRE O INSÓLITO A NARRATIVA FICCIONAL: O INSÓLITO NA LITERATURA E NO CINEMA-COMUNICAÇÕES. 3., 2008, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro. Dialogarts, Seminário, 2008.

    PHYSTON, A. Cinema e periferia: constituição de um campo. In: ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA, 3., 2007, Salvador. Anais… Salvador: UFBa, 2007.

    PHYSTON, A. Furiosas frivolidades: artifício, heterotopias e temporalidades estranhas no cinema brasileiro contemporâneo. Revista Eco Pós, v. 18, n. 3, p. 66-74, 2015.

    RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2009