Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Liciane Timoteo de Mamede (UNICAMP)

Minicurrículo

    Possui graduação em Comunicação Social pela UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2004). Possui mestrados em Imagem e Som pela UFSCar – Universidade Federal de São Carlos (2014) e em Valorização do Patrimônio Cinematográfico pela Universidade Paris 8. Atualmente, cursa doutorado em Multimeios na UNICAMP – Universidade de Campinas.

Ficha do Trabalho

Título

    Morte e fotografia em A Erva do Rato e O Estranho Caso de Angélica

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    Já imediatamente após sua invenção, a fotografia gerou diversas especulações sobre sua suposta relação com a morte, tendo sido muitos os teóricos que exploraram o tema (André Bazin, Roland Barthes). O objetivo desta comunicação é mostrar de que maneira essa qualidade fantasmagórica da fotografia é explorada em dois filmes, A Erva do Rato e O Estranho Caso de Angélica. Há aí pontos em comum ligados à forma como a temática da morte é potencializada nas obras pela presença do elemento fotográfico.

Resumo expandido

    Muitos foram os teóricos que associaram a fotografia still com a morte. No artigo em que faz uma aproximação dos escritos de André Bazin e Roland Barthes relativamente a uma certa dimensão “espiritual” da fotografia, Laura Mulvey aponta que, já imediatamente após sua invenção, essa forma de expressão começou a gerar especulações no que tange sua relação com a morte. Assim, a fotografia mortuária, tirada do defunto em seu leito de morte, seria uma espécie de continuadora natural da máscara mortuária, preservando sua qualidade fantasmagórica. Ainda segundo Mulvey: “(…) because the photograph captures the presence of life stilled, the instantaneous nature of human movement and the fragility of human life, it confuses time more throughly than, for instance, the presence of a ruin or a landscape in which traces of the past are preserved” (MULVEY, 2006).

    Metz, por sua vez, evoca a fotografia como o momento em que o olhar parou (METZ, 1985). No caso do cinema, o que está fora do quadro num plano pode vir a estar dentro no plano seguinte e vice-versa: o fora de campo não é aí um estado permanente. Na fotografia, ao contrário, temos a insistência da presença, uma presença que está ali para evocar uma ausência: o “morto” (usando a expressão de Barthes). Em complemento a essa colocação, cabe trazermos as palavras de Morain sobre O Estranho Caso de Angélica (Manoel de Oliveira, 2010), um dos filmes que aqui tomamos como objeto: “c’est un film sur le cinéma: sur la capacité de l’opération photographique à arrêter le temps, à le suspendre, et celle du cinéma à redonner la vie par la juxtaposition des images” (MORAIN, 2011). Desta forma, confrontamo-nos com duas características que parecem colocar essas duas formas de expressão artística em franca oposição: enquanto a fotografia é a evocação da morte, o cinema tende a restituir a vida.

    Pois é justamente com a intenção de evocar a morte, que dois filmes, o já citado O Estranho Caso de Angélica e A Erva do Rato (Júlio Bressane, 2008), vão incorporar o elemento fotográfico. Em ambos os casos, a fotografia ocupa um papel central, ao mesmo tempo que a morte lhes transpassa todo o discurso.

    Assim, o que esta apresentação pretende mostrar é justamente de que maneira essa qualidade fantasmagórica da fotografia é explorada nesses dois longas. Está em questão aqui uma determinada maneira do cinema de compreender e, a partir daí, apreender e dialogar com essa forma de expressão artística-irmã que, em tantos aspectos, foi sua precursora.

    A aproximação dos filmes de Bressane e Oliveira justifica-se pelos paralelos que são passíveis de ser traçados a partir dessas duas obras, principalmente no que diz respeito aos personagens principais (ambos fotógrafos), à relação que estes estabelecem com suas musas (nos dois filmes, a fotografia serve de mediador, é uma maneira de atingir, de entrar em contato com a outra pessoa – na impossibilidade física de fazê-lo, toda a relação, todo o acesso será intermediado pela fotografia) e, principalmente, pela presença constante da morte, potencializada pela forma como seus diretores incorporam ao filme o elemento fotográfico.

    Este elemento, no filme de Oliveira, é o próprio indício da morte. A fotografia mortuária de Angélica vira para Isaac (o fotógrafo) um objeto de fetiche e de tormento (à medida que se sente mais e mais atraído por Angélica, é indiretamente a própria morte que o atrai). Em Bressane, o valor fetichizante da fotografia é muito mais pronunciado num primeiro momento do que seu poder de evocar a destruição. Entretanto, claro está que a morte ali figura, está latente – há dela outros indícios no filme, tais como as naturezas mortas frequentemente evocadas. Bressane claramente fala de morte em seu filme e não é de maneira ingênua que nele incorpora a fotografia: a morte nascerá da própria perversão do ato fotográfico, que, a cada nova tomada, suga um pouco mais da vida de sua modelo.

Bibliografia

    AUBENAS, S. “Sous le jupons”, In : AUBENAS, S.; COMAR, P. Obscénités: Photographies interdites d’Auguste Belloc, Paris: Albin Michel; BNF, 2001.

    BARTHES, R. A Câmera Clara, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

    BAZIN, A. “Ontologia da imagem fotográfica”, In: O Cinema. Ensaios, São Paulo: Brasiliense, 1991.

    FREUD, S. Trois essais sur la théorie de la sexualité. Paris : Gallimard, 1987.

    LAVIN, M. “Oliveira dans son royaume”, In: Cahiers du cinéma, n. 665, mar. 2011. pp. 75-77.

    MULVEY, L. “Visual Pleasure and Narrative Cinema”, In: Film Theory and Criticism, New York: Oxford UP, 1999.

    ________, “The Index and the uncanny: Life and death in the photograph”, In: Death 24x a Second, London: Reaktion Books, 2006.

    METZ, C. “Photography and Fetish”, In: October, vol. 34, Autumn, 1985.

    XAVIER, I. “Roteiro de Júlio Bressane: apresentação de uma poética”, In: Alceu, v. 6, n. 12, jan/jun 2006. pp. 5-26. Disponível em: http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n12_Xavier.pdf.