Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Souto (USP/UNA)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação Social pela UFMG, onde pesquisou cinema brasileiro, com tese premiada pela Capes. Pós-doutoranda pela ECA-USP, com supervisão de Ismail Xavier. Professora da graduação em Cinema e Audiovisual da UNA. Uma das curadoras do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte, do Cineclube Comum e da Mostra Corpo e Cinema (Caixa Cultural). Integrante do júri do Janela Internacional de Cinema do Recife (2017). Diretora de arte, figurinista e assistente de montagem.

Ficha do Trabalho

Título

    Constelação e série histórica: uma análise de fantasmagorias no cinema

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    A partir de um breve debate em torno da constelação e da série histórica como formas de operacionalização de uma pesquisa comparatista no cinema, procedemos a uma espécie de teste metodológico de cada proposta, escolhendo como eixo um ponto instigante no cinema contemporâneo: a presença de fantasmagorias nos cinemas ibero-americanos, tendo como âncora o filme A mulher sem cabeça (Lucrecia Martel, 2008), que se expande em possibilidades interpretativas na relação com outras obras.

Resumo expandido

    A apresentação busca desenvolver um pensamento em torno da montagem de constelações e de séries históricas como possíveis gestos teórico-metodológicos no universo da pesquisa cinematográfica de viés comparatista.
    A constelação emerge de uma concepção relacional, que vê diálogos, tensões e afinidades entre as obras, mesmo que estejam apartadas no espaço. Apostamos que essa livre inspiração no vocabulário da astronomia traga certo arejamento às investigações audiovisuais e forneça subsídios para a lida com uma quantidade plural de filmes. A metáfora, usada por Walter Benjamin (1984), ajuda-nos a pensar conjuntos de filmes em termos de imagem, espacializados, formando desenhos ou diagramas. Benjamin opõe as constelações a um pensamento que visa à concatenação e à progressão linear, já que elas se dão na forma de uma rede. À maneira do observador de estrelas, cabe ao pesquisador contemplar elementos que se destacam. A leitura constelar se caracteriza pela liberdade de estabelecer ligações entre partes dispersas: “as constelações não são formações naturais, mas ‘imagens culturais’, diferentes segundo as épocas, que eram projetadas sobre a disposição das estrelas em relativa proximidade” (OTTE; VOLPE, 2000, p. 39). De acordo com as relações que tecemos, é possível que alguns filmes se constelem na forma de círculos, em linha reta, formando pontas desviantes ou mesmo bifurcações.
    Já a composição de séries históricas se configura como um caminho inspirado nas análises de Ismail Xavier e permite que se veja um dinamismo, “uma transformação, que insere os problemas que estão sendo vividos no presente como parte de uma lógica que ultrapassa o presente e está, enfim, projetada historicamente” (XAVIER, 2003, p. 3). Pautado pela escolha de uma categoria – que inclui uma dimensão fundamental de intuição crítica – a série pode ter como matriz um autor ou uma temática, por exemplo.
    A partir de um breve debate em torno da constelação e da série histórica como formas de operacionalização de uma perspectiva comparatista no cinema, procedemos a uma espécie de teste metodológico de cada proposta, escolhendo como eixo um ponto instigante no cinema contemporâneo: a presença de fantasmagorias nos cinemas ibero-americanos, fincando como âncora o filme A mulher sem cabeça (Lucrecia Martel, 2008). Os dois métodos resultam em ganhos diferentes de análise e nos fazem chegar ao filme-eixo desde pontos de partida distintos, abrindo em um mesmo objeto leituras multifacetadas.
    Na composição de uma série histórica, elencamos, entre outros, pontos-chave como O retrato de Jennie (William Dieterle, 1948), Um corpo que cai (Hitchcock, 1958), La jetée (Chris Marker, 1962), O quarto verde (Truffaut, 1978), para chegar a A mulher sem cabeça. Composta de fantasmagorias do feminino que falam menos do sobrenatural ou de espíritos e mais de duplos, espectros e assombrações de maneira mais ampla, essa série nos ajuda a compreender a trajetória de uma certa figuração pelo cinema e ao mesmo tempo caracterizar as especificidades de Martel. Diferente dos filmes da série, que acionam o fantasmagórico para dizer de misteriosas, etéreas e fugidias figuras femininas percebidas como inalcançáveis (muitas vezes criações de mentes masculinas perturbadas), o espectro em Martel, ainda que guarde semelhanças com esses filmes e até homenageie Vertigo, serve a outras questões.
    Já no que toca à constelação, situamos o filme de Martel junto a obras contemporâneas de Lisandro Alonso, Kleber Mendonça e Pedro Costa. Em todos eles, trata-se não exatamente da figura de fantasmas presente no conteúdo ou nas tramas dos filmes, mas de uma maneira de filmar assombrada, que por vezes aciona convenções do filme de horror para dar conta da experiência social em tempos turbulentos. Os filmes constelados remetem a questões de classe ou vivências coloniais, traumas do passado nunca superados em países como Brasil, Argentina e Portugal.

Bibliografia

    BARRENHA, Natalia C. A experiência do cinema de Lucrecia Martel. Resíduos do tempo e sons à beira da piscina. São Paulo: Alameda editorial, 2013,
    BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
    FELINTO, Erick. A imagem espectral: comunicação, cinema e fantasmagoria tecnológica. Cotia, SP: Ateliê, 2008.
    IMANISHI, Raquel; SARAIVA, Leandro. Transcrição de entrevista com Ismail Xavier realizada em 2003. Não publicada.
    OTTE, Georg; VOLPE, Miriam. Um olhar constelar sobre o pensamento de Walter Benjamin. Fragmentos, número 18, p. 35/47 Florianópolis/ jan – jun/ 2000.
    XAVIER, Ismail. Cinema: revelação e engano. In: NOVAES, Adauto (Org.). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 367-383.
    XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosac & Naify, 2007.