Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Juliano Rodrigues Pimentel (IFRS)

Minicurrículo

    Juliano Rodrigues é roteirista e diretor de fotografia, doutorando com pesquisa em filosofia e história do cinema brasileiro no PPGCOM-UFRGS. Também é professor e coordenador do cursos de audiovisual do Campus Alvorada do Instituto Federal do Rio Grande do Sul.

Ficha do Trabalho

Título

    A pedra no sapato de Carlos: leituras camuseanas em São Paulo S.A.

Resumo

    Este estudo dá conta dos primeiros resultados de uma investigação mais ampla sobre a constituição de um modelo narrativo existencialista dentro do cinema brasileiro dos anos 60 distanciado das questões do cinema novo. Neste estudo de caso, foram averiguadas possíveis aproximações entre a materialidade filosófica e narrativa do Mito de Sísifo de Albert Camus e a trajetória narrativa do personagem Carlos em São Paulo S.A. de Sérgio Person.

Resumo expandido

    A proposta de análise tem como tema os atravessamentos entre narrativa e contexto histórico-filosófico. Ao refletir sobre as dimensões políticas e existenciais percebidas no filme São Paulo S/A (Sergio Person, 1965), tenta-se responder como as noções trabalhadas por Albert Camus em sua obra O mito de Sísifo podem ser aproximadas enquanto modelo narrativo existencial da própria joranda do Personagem Carlos no filme de Sérgio Person.
    Albert Camus eleva Sísifo ao platô de protagonista do absurdo. Ele é um herói que vive o máximo de sua potência de vida, muito através de uma percepção de si como maior que a própria vida, e que é condenado a uma tarefa servil e desimportante. O ponto trágico, e que funciona como a materialidade do absurdo, se dá no caminho de volta. Trata-se do momento quando a pedra rola para baixo e Sísifo se dá conta, reconhece, que ele nunca saberá o fim.
    O personagem Carlos, na narrativa, acaba por ser um potente articulador da incompetência de si enquanto sintoma-reflexo da má fé sartreana ou mesmo do absurdo camuseano. O desenvolvimentismo da classe média é uma das marcas mais superficiais do filme de Person. Superficial, aqui, não compreendido como raso, mas como de uma primeira camada de leitura. Há no filme um retrato de uma classe social emergente e devota, quase religiosamente, a maximizar as potencialidades de lucro em sua vida. Tudo transforma-se em produto, os corpos, as vidas, as jornadas de trabalho, as angústias, as relações interpessoais.
    Carlos não é feito de carne e sangue, ele é feito de vazio e angústia, aquilo que lhe preenche são os poucos que ele vai “ingerindo” dos outros e da própria cidade. Quanto mais concreta é a cidade ao seu redor, mais rui e desmorona a São Paulo dentro dele. O que existe dentro do protagonista da história não é uma mera redução ou cópia fria de uma metrópole, mas a constituição de um espaço que se constitui por vivências e experimentações de um cotidiano inerentemente desconexo. Embora São Paulo S/A não seja um filme episódico, as idas e vindas encadeadas no roteiro são reflexo da confusão do personagem e da colagem de questionamentos e incertezas que ele vai montando. O que começa no filme como uma personalidade concreta, como a cidade, termina fragmentado, como as possibilidades de ruas, avenidas e vias, caronas e trânsitos. Talvez o próprio tédio da condição burguesa do personagem possa ser encarado como o catalizador da narrativa, como o estopim que coloca a ação em movimento. Neste arco, há uma tragicidade que determina o clímax do desenvolvimento de Carlos enquanto “peão” a serviço da ficção: sua decisão, dolorida e impetuosa de deixar a cidade, aos berros de “Tchau! São Paulo!”, instantaneamente desmoronada ao pegar uma carona de volta em uma jamanta. São Paulo sociedade anônima pode não ser episódico, mas opera pela construção de encadeamentos que refletem uma mesma dinâmica binária: decisão-falha em se comprometer com dada decisão. Person é trágico, sua estrutura clássica reflete o arcabouço estético e evolutivo da composição da tragédia, que vai dos reis aos plebeus em sua diacronia. Dentro desta perspectiva, o que era trágico, por exemplo, para o Édipo de Sófocles está por trás do que ocorre também em São Paulo S/A: isto faz parte da existência, se aconteceu com ele, pode acontecer com cada um de nós. A catarse trágica está exatamente na consolidação que o clímax propõe, todo esforço de se constituir pode ruir nas nossas próprias falhas e medos. Carlos falha no seu clímax. Sua falha trágica talvez possa ser compreendida pela falta de força (física e emocional) em deixar a cidade, força que em sua tomada de decisão acaba o seduzindo ilusoriamente.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. 2ª. São Paulo, SP: Companhia de bolso, 2014.
    CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro, RJ: BestBolso, 2016.
    PERSON, Luiz Sergio; BERNARDET, Jean-Claude. O Caso dos Irmãos Naves: chifre em cabeça de cavalo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.