Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Cid Vasconcelos de Carvalho (UFPE)

Minicurrículo

    Professor do depto. de Comunicação Social da UFPE, ministrando disciplinas prioritariamente no curso de cinema. Recém concluindo pesquisa de vários anos sobre as propostas de realismo que emergiram nos anos finais do fascismo italiano. Tenho publicado traduções, artigos e capítulos de livros e participado de congressos da área. Fiz parte até recentemente do grupo de estudo “História e Audiovisual: Circularidades e Formas de Comunicação” (ECA-USP). Ministro atualmente eletiva “Cinemas Africanos”

Ficha do Trabalho

Título

    De Yvones e de Margaridas: Compartilhando Memórias Desencantadas de Mo

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    Analiso dois filmes do cinema “moçambicano” contemporâneo, “Yvone Kane” (2014), de Margarida Cardoso e “Virgem Margarida” (2012), de Licínio Azevedo, e suas formas de se relacionar com a história recente do país, através de estratégias estéticas, ideológicas e de produção distintas do momento que lhes antecede na produção cinematográfica e contexto político do país, e inclusive em enfrentamento com aspectos desse, sendo igualmente grandemente distintas entre si em relação aos tópicos em questão.

Resumo expandido

    A partir de dois longa-metragens ficcionais “moçambicanos ”, “Yvone Kane” (2014), de Margarida Cardoso e “Virgem Margarida” (2012), de Licínio Azevedo, pretende-se efetuar uma análise de filmes que lidam fortemente com episódios vinculados a história recente do país.

    O cinema moçambicano, como o produzido em outros países de colonização portuguesa, está intrinsecamente vinculado à guerra desde antes mesmo de seus primórdios, por motivos quase auto evidentes, que vão do projeto de independência nos idos da década de 1960 que, como nas outras então colônias portuguesas, encontra-se vinculado, em seu germe, a uma mescla entre a força que exerce o influente pensamento anticolonial e uma motivação social repressora envolvendo grande número de mortes até conflitos posteriores ainda não concluídos, como o ressurgimento da rivalidade histórica entre facções da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), a partir de 2013.

    O modelo de cinema nacional proposto pelo Instituto Nacional de Cinema (INC), que produziu sobretudo os curtas do Kuxa Kanema, analisados pela mesma realizadora de “Yvone Kane” em um interessante documentário longo de 2003, entra em colapso juntamente com o projeto de nação socialista, após a perda de apoio do bloco socialista na esteira do desmonte da estrutura geopolítica internacional que havia propiciado a política da Guerra Fria. Se poderia ser considerado engessado sob vários aspectos, tal modelo havia propiciado um cinema moçambicano para moçambicanos, ou como dizia seu lema “fornecer ao povo uma imagem do povo”, ainda que sob o filtro cada vez mais impositivo do Estado, deixando de fora evidentemente tópicos como a dificuldade de inserção ideológica da FRELIMO em comunidades a quem a ausência histórica do Estado tornara a independência nacional e as lutas para a mesma algo um tanto abstrato.

    Um novo cinema moçambicano surgirá no século XXI, sobretudo a partir da segunda metade da primeira década, no modelo da co-produção internacional, comum a praticamente todos os países africanos, com exceção de uns poucos que fomentaram uma indústria audiovisual de características muito peculiares. Dentre o que se pode diferenciar da produção dos anos 1970 e 1980, além da internacionalização, encontra-se uma abordagem crítica do passado recente, incluindo a própria produção cinematográfica e um apuro estético e de produção mais próximos do padrão internacional. E praticamente nulo em termos de circulação interna, restringido-se ao circuito dos festivais.

    Embora as “memórias desencantadas” as quais o título se refere possam ser interpretadas como um rescaldo do projeto utópico de nação pós-independência dos tempos de Machel sob o filtro eminentemente pessoal (“Yvone Kane”) ou de recorte mais coletivo (“Virgem Margarida”), também podem ser lidas como de maior adesão realista que projetos mais próximos desse “encantamento” como Terra Sonâmbula (2007), de Teresa Prata. Se o conceito de “memória coletiva”, influente ao menos desde a obra de Halbwachs é, a rigor, uma metáfora que transfere ao coletivo o processo cognitivo que ocorre individualmente em cada cérebro humano, essas apenas podem observadas aqui enquanto várias camadas de mediações/metáforas possíveis, já que em ambos os casos nos encontramos longe de documentários que lidam com depoimentos.

    Cumpre enfatizar igualmente o enfrentamento com o próprio discurso cinematográfico que lhe antecede, as vezes fazendo uso das próprias imagens de arquivo (caso de “Kane”) ou apresentando uma inteligente estratégia de desvelamento de aspectos da realidade através da ficcionalização, como se pudêssemos observar a encenação em completa consonância com a “memória cultural” defendida pelo Estado-Nação, e diante de algumas de suas autoridades constituídas, de forma muito semelhante a apresentada nos curtas do INC, em profundo contraste com uma rotina repleta de abusos físicos e psicológicos, no caso do filme de Azevedo

Bibliografia

    ARMES, Roy. African Filmmaking – North and South of Sahara. Edinburgh: Edinburgh U Press, 2006.
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    MANJATE, Teresa. Virgem Margarida e A Última Prostituta: A morte das Fronteiras entre o Documentário e a Ficção? in: Mulemba. Rio de Janeiro: UFRJ, vol. 9, n.17, p. 112-121, jul-dez 2017.
    SANTIAGO, Lilian Solá. As Imagens de uma Revolução Cantada e Dançada in: MONTEIRO, Lúcia Ramos. África(s), Cinema e Revolução. São Paulo: Buena Onda Produções Artísticas e Culturais, 2016, pp. 125-128.
    TIMBANE, Alexandre António. Marcas da Identidade Cultural e Linguística Moçambicanas no Filme Virgem Margarida, de Licínio Azevedo. Revista Língua e Literatura, v. 18, n.32, pp. 64-87, dez. de 2016.