Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Klaus Berg Nippes Bragança (UFES)

Minicurrículo

    Professor no curso de Cinema e Audiovisual do DepCom/UFES. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Imagem e Afeto – CIA/UFES. Doutor em Comunicação pelo PPGCom/UFF. Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo PósCom/UFBA. Graduado em Comunicação Social pela UFES. Publicou o livro Realidade Perturbada: corpos, espíritos, família e vigilância no cinema de horror (Appris, 2018). Escreveu e dirigiu o longa-metragem de horror Destino das Sombras (2018).

Ficha do Trabalho

Título

    O Espírito da Mídia: assombrações digitais no cinema de horror

Resumo

    Fantasmas vêm assombrando o cinema desde sua origem. A partir da formação de códigos específicos para o horror, espectros tornaram-se um recurso de linguagem frequentemente renovado através de inúmeras técnicas de representação visual. A invisibilidade do mundo sobrenatural foi gradativamente possuída pela materialidade fílmica do horror até finalmente ser digitalizada pela tecnologia de mídia. Este trabalho investiga as evocações espirituais da mídia digital representadas pelo cinema de horror.

Resumo expandido

    “Existem agentes físicos, por ora desconhecidos, que mais tarde se tornarão comuns. Trata-se de um fenômeno bastante simples, semelhante a uma fotografia, combinada com forças que ainda não descobristes”.

    Espírito do Sr. Badet evocado na sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas em 15 de junho de 1858.

    A edição número 7 da Revista Espírita de julho de 1858 apresenta a polêmica notícia “Uma Nova Descoberta Fotográfica” em que descreve a controvérsia gerada pela formação espontânea da imagem de um senhor recém falecido na vidraça da janela de sua casa. A viúva só havia constatado a imagem espectral após a morte de seu marido e confirmou que a janela era o local onde o Sr. Badet ficava constantemente para observar a rua. Assustada com o fenômeno a viúva removeu e destruiu a vidraça da janela que continha a imagem do finado. Para resolver a polêmica os editores da revista relatam ter evocado o espírito do Sr. Badet para perguntar-lhe se a imagem revelada na vidraça era de ordem sobrenatural. O espírito desmente a especulação e pondera que a formação de sua imagem se deu ainda em vida, uma reação provocada pela incidência rotineira da luz sobre o vidro e o contato com agentes atmosféricos desconhecidos.

    A notícia averigua um fenômeno natural que foi compreendido como sobrenatural, recorrendo inclusive ao espírito do falecido para esclarecer o fenômeno – mesmo que o próprio não tenha certeza sobre o ocorrido, pois como a própria notícia nos lembra, “os Espíritos, ao contrário do que se pensava outrora, longe estão de tudo saber” (2004, p.282). Trata-se de um erro de interpretação cometido pela viúva, uma marca que acompanha a representação fantasmagórica no cinema.

    Jeffrey Sconce (2000) defende um vínculo muito estreito entre médiuns e mídia, pois no seio do movimento espiritualista havia a crença da comunicação com os mortos. Ainda no século XIX com a consolidação de comunidades espiritualistas, a fotografia espírita se difunde pelas cidades e é recebida de maneira ambivalente: como prova material da existência do mundo sobrenatural e como uma fraude criada tecnicamente. Para Simone Natale (2012) a ambivalência era provocada por um efeito técnico já conhecido entre as atrações e entretenimentos da modernidade: dupla exposição fotográfica e sobreposição de imagens. Évocation Spirit (1899), curta de Georges Méliès, traduz bem o efeito: uma moldura redonda sobreposta ao cenário apresenta imagens espectrais das pessoas evocadas por Méliès – inclusive ele mesmo.

    Cada nova tecnologia de mídia parecia inspirar a imaginação e as práticas do movimento espiritualista, da fotografia ao telégrafo, do rádio à televisão. De maneira similar a tecnologia inspirou novas representações fantasmagóricas para o cinema de horror. Steffen Hantke (2015) traça um percurso da visibilidade nos filmes de fantasmas desde o cinema clássico até a entrada do CGI na produção audiovisual e, para ele, o CGI configura a imagem como um “significante meta-textual” (p.195). Assim, muitos filmes deste começo de século recorrem às novas tecnologias de mídia para compor suas representações sobrenaturais a partir de efeitos visuais digitais – embora a maior parte não articule a tecnologia de mídia ao horror espectral.

    Diferentemente, filmes como Lake Mungo (2008), Sinister (2012) e Sx_Tape (2013) oferecem um conflito entre gerações de mídia que convivem juntas: mídias tradicionais invadem novas mídias como se fossem fantasmas analógicos que assombram a tecnologia digital. Para Marc Olivier (2015) uma característica de linguagem importante na atual produção de filmes de fantasmas são os glitchs visuais; irrupções de pixels e distorções eletrônicas que interrompem a visibilidade total do espectro. Trata-se, novamente, de um erro de interpretação – de dados nesse caso – que gera novos significados para a narrativa fantasmagórica. Este trabalho investiga filmes que apresentam a tecnologia digital como meio para a manifestação do horror sobrenatural.

Bibliografia

    HANTKE, Steffen. “‘I see dead people’: visualizing ghosts in the american horror film before the arrival of CGI”. In: LEEDER, Murray (Ed.). Cinematic Ghosts: haunting and spectrality from silent cinema to the digital era. London: Bloomsbury, 2015, p.179 – 198.

    NATALE, Simone. “A short history of superimposition: From spirit photography to early cinema”. In: Early Popular Visual Culture, Vol.10, n.2, may 2012, p.125–145.

    OLIVIER, Marc. “Glitch Gothic”. In: LEEDER, Murray (Ed.). Cinematic Ghosts: haunting and spectrality from silent cinema to the digital era. London: Bloomsbury, 2015, p.253 – 270.

    REVISTA ESPÍRITA – Jornal de Estudos Psicológicos. “Uma Nova Descoberta Fotográfica”. ano I, n. 7. Traduzido por Evandro Noleto Bezerra. Brasília, DF: Federação Espírita Brasileira, 2004, p.277 – 284.

    SCONCE, Jeffrey. Haunted Media: electronic presence from telegraphy to television. Durham: Duke University Press, 2000.