Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Marina Soler Jorge (Unifesp)

Minicurrículo

    Marina Soler Jorge é socióloga e professora Adjunto IV do Departamento de História da Arte da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp. Cursou Sociologia e Ciência Política na Unicamp, é Mestre em Sociologia pela Unicamp e Doutora em Sociologia pela USP. Atua nas áreas de Sociologia da Arte, Sociologia do Cinema, Cinema Brasileiro, Audiovisual Latino-Americano e Direção de Arte. É autora do livros e artigos sobre cinema, recepção e sociologia da arte.

Ficha do Trabalho

Título

    A Representação Feminina em Narcos e El Chapo

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    A pesquisa exposta neste projeto tem como objetivo analisar a representação feminina em duas narco-séries produzidas pela Netflix, lançadas com poucos anos de diferença, e que tem como tema a trajetória dois dos narcotraficantes mais conhecidos tanto no mundo político-policial quanto na cultura de massas: Narcos, que aborda Pablo Escobar e os irmãos Rodríguez Orejuela, colombianos, e El Chapo, que se concentra na vida de Joaquín Guzmán Loera, mexicano.

Resumo expandido

    Filmes e séries que abordam gangues, máfias e narcotraficantes concentram-se usualmente em personagens masculinos, e os femininos que os rodeiam são construídos como fazendo parte do sistema de dominação daqueles, seja como esposas compreensivas, mulheres-troféu e mães cujo amor pelos filhos criminosos é incondicional. Nosso objeto de estudo aqui é a representação da Mulher latino-americana em duas narco-séries escolhidas tanto pela proximidade do tema, pela proximidade histórica (estão sendo produzidas e lançadas quase simultaneamente), pela proximidade estética e também pelo fato de que, em ambas, os personagens femininos não tem grande protagonismo. A representação feminina no universo do narcotráfico é um tema atual e relevante, na medida em que a narcocultura se torna popular não apenas em seu ambiente de origem mas também na cultura de massas mundializada.
    As duas séries tem muitas coisas em comum: são ambas produções da Netflix, ambas faladas em castelhano e inglês, que dramatizam eventos reais ocorridos em países da América Latina na história recente, concentrando-se nas trajetórias de conhecidos narcotraficantes. As duas séries foram filmadas na Colombia, pois as gravações no México foram consideradas perigosas pela equipe de El Chapo, não apenas por se tratar de país que ainda convive fortemente com problema do tráfico de drogas mas também porque Joaquín Guzmán está vivo e possivelmente influente, embora detido em uma prisão nos Estados Unidos depois de ser descoberto por conceder uma entrevista a Sean Penn.
    Além disso, o que aproxima as duas séries, e que justifica o recorte do objeto de pesquisa, é a estética considerada de “bom gosto”, ainda que aplicada ao mundo do crime, pensada para o público contemporâneo internacional, e que se afasta de grande parte das narco-narrativas produzidas originalmente para a tv, recheadas de situações e ambientes sórdidos, interpretações que consideramos exageradas, figurino e maquiagem extravagante, e narcocorridos em sua trilha sonora.
    Os personagens femininos das duas séries a serem analisadas nesta pesquisa estão em grande medida submissas aos homens, seja “abrindo as pernas” como amantes, seja como esposas e mães comportadas e compreensivas. Trata-se, efetivamente, de universo simbólico no qual a dominação masculina é quase inquebrantável.
    Ainda que Narcos e El Chapo sejam inspirados em fatos reais, admitimos estas series como produtos de ficção que elaboram uma determinada visão de mundo sobre a sociedade latino-americana e sobre mulheres latino-americanas que se ligam a narcotraficantes. Enquanto produtos de ficção, estas séries ajudam a construir uma representação das mulheres que, não obstante, passa a potencialmente ter efeito “real”, prático, legitimando simbolicamente determinadas atitudes em relação à mulher e ao corpo feminino. Este efeito “real”, no caso das séries em questão, é intensificado pelo fato das obras acionarem no espectador o que Roger Odin denomina “leitura documentarizante” (2012): ou seja, ainda que a maior parte da literatura sobre audiovisual admita que não há diferença entre um documentário e uma ficção no que se refere à construção e à manipulação das narrativas, o público costuma estar mais suscetível a tomar a história vista como realidade quando se depara com uma ficção “inspirada em fatos reais”. Da mesma forma que o público aceita mais facilmente a história vista como realidade, tende a aceitar a construção da imagem feminina como parte daquela realidade.
    Ainda que seja importante considerar a narrativa em nossa pesquisa, sobretudo por se tratar de uma série de tv, que tem na história e suas reviravoltas um de seus pontos fortes, pretendemos nos atentar à construção simultaneamente narrativa e imagética das personagens, ligando as ações à mise-en-scène e ao enquadramento. Assim, cores, figurinos e objetos serão considerados elementos importantes na construção ficcional da mulher latino-americana.

Bibliografia

    BOURDIEU, Pierre, A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: BestBolso, 2017.
    ODIN, Roger. Filme documentário, leitura documentarizante. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, v. 39, n. 37, p. 10-30, 2012.
    RINCÓN, Omar. Todos temos um pouco do tráfico dentro de nós: um ensaio sobre o narcotráfico/cultura/novela como modo de entrada para a modernidade. MATRIZes, v. 7, n. 2, 2013.
    DE BRAGANÇA, Maurício. A narcocultura na mídia: notas sobre um narcoimaginário latino-americano. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, v. 39, n. 37, p. 93-109, 2012.
    OVALLE, Liliana Paola; GIACOMELLO, Corina. La mujer en el” narcomundo”. Construcciones tradicionales y alternativas del sujeto femenino. Revista de estudios de género. La ventana, n. 24, 2006.
    DE LAURETIS, Teresa. Technologies of gender: Essays on theory, film, and fiction. Indiana University Press, 1987.
    SILVERMAN, Kaja. The acoustic mirror: The female voice in psychoanalysis and cinema. Indiana University Press, 1988.