Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Álvaro Renan José de Brito Alves (UFPE)

Minicurrículo

    Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco; Graduado em Cinema e Audiovisual pela mesma universidade. Pesquisador da forma ensaística no cinema, apresentou trabalho sobre o bricoleur Chris Marker e o escritor W.G. Sebald na XXVI Compós, em 2017.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema-ensaio e memória: ensaísmo como prática pedagógica

Seminário

    Cinema e Educação

Resumo

    O ensaísmo no cinema cumpre papel importante na construção de uma memória social e histórica do mundo e do cinema. Por operar a partir do pensamento sobre a imagem, a prática ensaística devolve tanto ao realizador quanto ao espectador a responsabilidade sobre os sentidos presentes na articulação entre imagem e som. Trata-se de uma operação eminentemente ética e estética, portanto, política. A partir de conceitos como ensaio, rememoração e jogo, investigamos agora suas possibilidades pedagógicas.

Resumo expandido

    Gostaria de desenvolver uma proposta de trabalho pedagógico a partir das possibilidades de experiência oferecidas pelo cinema-ensaio, tomando-o como forma singular tanto no fazer fílmico (bricolagem) quanto na relação estabelecida entre o espectador, a imagem e som, e a memória social (rememoração como emancipação, nos temos benjaminianos (Benjamin, 2011)). Define-se comumente o filme-ensaio pelo enfoque subjetivo da narração, pelo trabalho com as imagens de arquivo e por uma maneira aparentemente pouco rigorosa de articular imagem, som e texto. Timothy Corrigan assinala que o ensaístico, pelo que demonstra a sua história, “é mais interessante não tanto pela maneira como privilegia a expressão e a subjetividade pessoais, mas, antes, na maneira como perturba e complica essa noção de expressividade e sua relação com a experiência” (2015, p.21). Trata-se antes do encontro entre o eu e o mundo, de uma subjetividade em confronto com o domínio público da história, do que da elaboração de uma experiência estritamente pessoal daquilo que se vê e se percebe. O ensaio no cinema põe em jogo, antes de mais nada, uma dupla relação, sensível e intelectual, com o registro da imagem fotográfica ou em movimento, e com o som e a narração. A ideia do jogo (Agamben, 2005; Benjamin 2005) interessa na medida em que institui um campo de ação possível, entre o lúdico e o político, no qual o gesto de elaborar e criar é, a todo instante, posto em evidência, permitindo ao espectador testemunhar o processo singular de criação do realizador, mas solicitando dele um engajamento não menos importante e um lugar não menos privilegiado no trabalho de construção de sentidos.
    Na esteira da pedagogia da autonomia de Paulo Freire, para quem o educar “não é transferir conhecimento, mas criar as condições para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p.27), o filósofo francês Jacques Rancière, tendo investigado as possibilidades de uma pedagogia emancipatória em seu livro O mestre ignorante (2011), relança as bases de uma experiência estética e intelectual similar no âmbito da arte, e particularmente do cinema no livro O espectador emancipado (2012). Neste último, Rancière, retirando o espectador de sua suposta passividade, defende o seu engajamento ativo na relação experiencial com a obra de arte. Para ele, a emancipação é a tomada de consciência não de uma classe, mas de qualquer indivíduo quando este passa a questionar a “oposição entre olhar e agir” e compreende que, ele também, é capaz de produzir saber para além da posição hierárquica que lhe foi designada no tabuleiro social (Rancière, 2012, p.17). O filósofo entende que a distância entre o mestre e o ignorante não significa uma desvantagem entre este e aquele, mas a condição fundamental para a multiplicação dos saberes e dos sentidos sobre o mundo, no qual cada um de nós assumimos a posição de intérprete ativo; o espectador emancipado é, ele próprio, intérprete do espetáculo que lhe é proposto e produtor de conhecimento.
    O mundo e as estruturas nele dominantes oferecem o espaço de um “comum”, de uma “partilha do sensível”, mas o que determina a “igualdade” dos diferentes é o “poder que cada um tem de traduzir à sua maneira o que percebe, de relacionar isso com a aventura intelectual singular que o torna semelhante a qualquer outro, à medida que essa aventura não se assemelha a nenhuma outra” (id., 2012, p.20).
    Trata-se, portanto, de um “poder comum da igualdade das inteligências” que “liga indivíduos, faz que eles intercambiem suas aventuras intelectuais, à medida que os mantém separados uns dos outros, igualmente capazes de utilizar o poder de todos para traçar seu caminho próprio” (idem, ibidem, p.21). É neste sentido que a experiência cinematográfica pode ser capaz de definir um âmbito de operação e partilha do comum em sala de aula, e o ensaísmo, pela forma como institui uma tripla encruzilhada entre espectador, realizador e mundo, pode servir como proposta de atuação pedagógica.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. Infância e História: Destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
    BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In Obras escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2011).
    __________________. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades/34, 2005.
    BERGALA, Alain. A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008.
    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
    RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
    __________________. O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Autêntica Editora, 2015.