Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Diego Morais Vieira Franco (UFRJ)

Minicurrículo

    Mestrando em Comunicação pelo PPGCOM da UFRJ e Bacharel em História da Arte pela mesma instituição, pesquisa imagens documentais na cultura audiovisual contemporânea. Há quatro anos colabora como curador na Mostra do Filme Livre.

Ficha do Trabalho

Título

    A encruzilhada do arquivo: cinema, história e pós-modernidade

Seminário

    Montagem Audiovisual: reflexões e experiências

Resumo

    Os curtas-metragens Libertários (1976), de Lauro Escorel Filho, e A Luta Vive (2017), do Coletivo Atos da Mooca, funcionam neste artigo como um díptico através do qual a imagem de arquivo dentro do cinema brasileiro é problematizada. Ao refletir sobre o estatuto da imagem quando usada dialeticamente para buscar um certo conhecimento sobre o passado, a porosidade existente entre o modo documental e o ficcional é ressaltada, de modo a criar outras possibilidades de entendimento sobre a história.

Resumo expandido

    O cinema de arquivo não se faz pelo único, pelo objeto isolado, mas sim pela inter-relação de elementos que, através da montagem, cria possibilidades de compreensão para certos processos em meio à sociedade e à cultura. Desse modo, a arte pode ser compreendida como um meio para se entrar no mundo e, em meio às inúmeras possibilidades de rearranjo audiovisual, embora quase sempre se imponha de maneira natural e orgânica o modelo clássico de montar os fatos do passado, por vezes esses elementos são usados em novas estratégias de formulação de entendimento sobre a realidade. Um entendimento que passa essencialmente pelas imagens.
    A difícil tentativa de recuperação e compreensão de um determinado momento histórico por falta de fontes para isso marca a produção de Libertários (1975), dirigido por Lauro Escorel Filho. Apoiado em fotos, filmes e músicas da época, o filme narra a história do movimento operário brasileiro, de fim dos séculos XIX até a greve de 1917. Escorel não busca reconstruir a história do poder, mas sim a história da sua contestação, a história daqueles que não tinham os meios de produção para gerar um registro significativo de sua vida, de suas atividades, de produzir, assim, um arquivo sobre suas lutas. O texto em off narrado por Othon Bastos é duro, acadêmico, conceitual, sendo este talvez o primeiro filme brasileiro a citar uma bibliografia nos créditos finais, segundo a fala do pesquisador Hernani Heffner (2018) no curso Cinema e Memória, ministrado no Centro Cultural Banco do Brasil.
    Abordando de maneira experimental a greve geral de 1917, A Luta Vive (2017), curta produzido pelo Coletivo Atos da Mooca, busca outras maneiras de construir sua narrativa histórica, optando pelo campo ficcional mas fazendo também uso de arquivos. A partir do conhecimento histórico sobre o período, o coletivo constrói um poema experimental audiovisual que lança um lampejo de modo a iluminar o passado dialeticamente. Em determinado momento do curta, manifestantes seguram fotogramas do filme de Escorel em uma passeata contra as reformas trabalhistas. Existe algo de belo e hipnótico no fluxo de imagens construído pelo grupo superoitista paulistano que usa a película de modo a subverter o tempo através de um estilo artesanal de produzir e montar as imagens.
    Ao partir deste díptico improvável, da união entre dois objetos distantes não apenas no tempo e no espaço mas também no modo como opera o cinema – um registro documental, outro ficcional -, a inquietação que movimenta esse texto busca criar caminhos para se compreender que tipo de conhecimento pode surgir através da imagem nos dias atuais. Ela que aparentemente nunca se impôs com tanta força, seja no universo estético, técnico, cotidiano, histórico. Nunca mostrou tantas verdades de maneira tão cruas ou foi tão perversamente manipulada de modo a elucubrar mentiras. O filósofo francês Didi-Huberman (2012) argumenta que “a imagem arde em seu contato com o real. Inflama-se, e nos consome por sua vez.” Em meio às chamas, ele aponta a imaginação e a montagem como sendo os elementos necessários para a criação de uma arqueologia, ou seja, de uma interpretação histórica, visto que os elementos que chegam até os dias atuais, ou seja, os que resistiram aos processos iconoclastas, aos apagamentos, geralmente vêm de lugares separados e de tempo desunidos. Para ele, “uma imagem deve ser entendida ao mesmo tempo como documento e como objeto de sonho, como obra e objeto de passagem, como monumento e objeto de montagem, como não saber e objeto de ciência.” Partindo dessa perspectiva, uma das hipóteses possíveis é a de que o campo ficcional e documental quando unidos inteligentemente poderia, talvez, inflamar os corações e, através das chamas, iluminar o presente fugidio. Um iluminar faulhante, crepitante.

Bibliografia

    ARBEX, Márcia (org.). Poéticas do visível: ensaios sobre a escrita e a imagem. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
    BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012.
    DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. Belo Horizonte, V. 2, n. 4, p. 204-219, nov. 2012.
    FOSTER, Hal. An Archival Impulse. October, v 110, p. 3-22, Autumn, 2004.
    FOUCAULT, Michel. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
    RANCIÈRE, Jacques. A fábula cinematográfica. São Paulo: Papirus, 2013.