Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Vitor Soster (USP)

Minicurrículo

    Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, defendeu, em 2017, dissertação sobre a equivocidade do foco narrativo em O som ao redor (Mendonça Filho, 2012). Bacharelou-se e licenciou-se em Letras pela mesma universidade em 2012. Durante a graduação, desenvolveu pesquisa sobre a presença de sequências narrativas em dissertações de pré-vestibulandos (2009).

Ficha do Trabalho

Título

    Tempo narrativo cinematográfico: o caso de “O som ao redor”

Resumo

    Para refletir criticamente sobre o tempo cinematográfico, tomo como referência o filme “O som ao redor” (Mendonça Filho, 2012). Nele, distingo três aspectos temporais – ordem, duração e frequência (CASETTI; DI CHIO, 1996) – que formariam um “suspense crônico”, traduzindo cinematograficamente, desta forma, a experiência atual da classe média brasileira. É, pois, pela inserção histórica da forma fílmica que busco pensar o cinema brasileiro contemporâneo e sua inserção política.

Resumo expandido

    Em Bordwell e Thompson (2013 [2010]), estudiosos da linguagem cinematográfica e, em especial da produção cinematográfica hollywoodiana, “narrativa” é entendida como sendo “uma cadeia de eventos ligados por causa e efeito, ocorrendo no tempo e no espaço” (p. 144). Apesar da exatidão dessa definição essencialmente temporal, para um estudo crítico, é necessário que nos aprofundemos em noções como a de “tempo” e “espaço” para que observemos aspectos opacos da linguagem, constitutivos de ambos os eixos e, por extensão, da narrativa em si. No estudo do tempo narrativo cinematográfico, articularemos essas duas noções, assumindo que o tempo é o elemento articulador de espaços. Nesse caso, a noção de tempo ganha singular importância por dar existência às ações que, por sua vez, instauram os eventos encadeados mencionados pelos autores. Por esse motivo, proponho uma reflexão sobre o tempo narrativo cinematográfico, tendo como referência a análise de ações, retiradas de fragmentos do filme “O som ao redor” (Kleber Mendonça Filho, 2012). Essa obra pode ser considerada como o resultado de uma observação atenta do cotidiano vivido pelos diferentes matizes da classe média brasileira contemporânea. No entanto, ainda que atenta e eficaz na desnaturalização do olhar, a perspectiva da qual parte esse olhar não escapa totalmente das marcas ideológicas da classe social observada e sua forma pode servir como um bom material para o estudo das relações temporais em narrativas cinematográficas e também para a compreensão de nosso tempo presente. A monotonia que perpassa a vida da dona-de-casa Bia e as sobrevivências colonialescas no modo como ela se dirige à sua empregada ou, ainda, o meio nostálgico no qual vive o personagem Anco, filho de um grande proprietário e, assim como Bia, morador de uma rua de um bairro de classe média de Recife, são alguns exemplos de experiências diegéticas de tempo que formam o eixo temporal dessa narrativa. Nesses episódios e em tantos outros, as ações são guiadas não só pelo espaço que produzem e que se impõe a elas, mas principalmente por modos de viver no tempo. Começo, portanto, retomando algumas ferramentas de análise distinguidas por Casetti e Di Chio (1996 [1990]), que se aproximam da abordagem estruturalista de Genette. Eles identificam três aspectos no tempo narrativo cinematográfico: ordem, duração e frequência (p. 151). Observando o funcionamento desses aspectos em “O som ao redor”, busco redimensioná-los por meio de uma reflexão de viés materialista histórico que passa pela discussão de Hauser (1998 [1951]) sobre a capacidade de espacialização do tempo pelo cinema até chegar a estudos mais recentes como o realizado por Draper (2016), também sobre o filme de Mendonça Filho, que propõe uma categoria de filmes que teria como traço marcante o “terror materialista”, um gênero que seria específico do cinema latino-americano e que seria composto por uma mistura do “cinema alto modernista (o ‘filme arte’) e a cultura de massa (o cinema de terror)” (DRAPER, 2016, p. 122). Como busco observar, esse gênero acaba por estabelecer uma espécie de “suspense crônico” que traduziria cinematograficamente práticas sociais da classe média brasileira. Explorar a inserção histórica do texto cinematográfico pretende ser, ao mesmo tempo, uma contribuição para a reflexão a respeito do cinema brasileiro contemporâneo e, em particular, de sua inserção política.

Bibliografia

    BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. A arte do cinema: uma introdução. Trad. Roberta Gregoli. Campinas: Editora da Unicamp, 2013 [2010].

    CASETTI, Francesco; DI CHIO, Federico. Cómo analizar un film. Trad. Carlos Losilla. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1996 [1990].

    CAZDYN, Eric. The already dead: the new time of politics, culture and illness. Duke: Duke University Press, 2012.
    DRAPER III, Jack A. ‘Materialist horror’ and the portrayal of middle-class fear in recent Brazilian film drama: Adrift (2009) and Neighbouring Sounds (2012). Studies in Spanish & Latin American Cinemas, vol. 13, n. 2, p. 119-135, 2016.

    HAUSER, Arnold. Bajo el signo del cine. In: Historia social de la literatura y el arte: desde el Rococó hasta la época del cine. Madrid: Editorial Debate, 1998 [1951], p. 483-522.

    RABELLO, Ivone Daré. O som ao redor: sem futuro, só revanche?.Novos estudos CEBRAP, São Paulo, v. 1, n. 101, p. 157-173, 2015.