Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Ceiça Ferreira [Conceição de Maria Ferreira Silva] (UEG)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), na linha de pesquisa Imagem, Som e Escrita. Professora e pesquisadora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), onde desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão nas áreas de comunicação e cultura, cinema, raça e gênero.

Ficha do Trabalho

Título

    Assimetrias raciais e de gênero sob a perspectiva da recepção fílmica

Seminário

    Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil

Resumo

    A partir de um estudo de recepção fílmica em grupos, realizado com a aplicação do modelo codificação/decodificação de Stuart Hall, este trabalho analisa as leituras das/dos participantes sobre as assimetrias vivenciadas pelas personagens femininas (Maria e Virgínia) no filme Bendito Fruto (Sérgio Goldenberg, 2004) e como estas interpretações conformam, negociam e/ou ressignificam os imaginários sobre gênero e raça vigentes na sociedade brasileira.

Resumo expandido

    Diante da escassez de pesquisas sobre recepção fílmica e sobre a intersecção de gênero e raça nos estudos de comunicação e cinema brasileiros (BAMBA, 2013; FERREIRA, 2017; JACKS, 2014; MASCARELLO, 2009), este trabalho investiga as leituras das/dos participantes de um estudo de recepção do filme Bendito Fruto (Sérgio Goldenberg, 2004), realizado a partir da aplicação do modelo codificação/decodificação de Stuart Hall (2003) em três grupos de discussão (1-estudantes universitários/as, 2-membros de uma associação de idosos/as e 3-servidores/as públicas).

    Tal aplicação empírica confirma a importância de pensar o cinema também a partir dos sentidos que quem assiste atribui aos filmes (STAM, 2003), com base em seu repertório sócio-cultural e no contexto no qual se desenrola o processo de decodificação. Essa compreensão do caráter plural e ativo dos modos de recepção se deve às contribuições dos estudos culturais, em especial ao modelo codificação/decodificação (enconding/decoding) de Stuart Hall (publicado em 1974), que pensa o processo comunicacional em sua totalidade, articulando a representação e a recepção fílmicas, âmbitos distintos mas interligados no circuito contínuo de produção de sentido; e entende a decodificação a partir de três posições: preferencial, negociada e oposicional, ou seja, aceitam os códigos oferecidos pela produção, negociam os sentidos e interpretam a mensagem de forma contrária à codificação, respectivamente.

    No filme Bendito Fruto, o reencontro entre o cabeleireiro Edgar e a viúva Virginia, antigos colegas de escola será o estopim para transformações no relacionamento inter-racial não-assumido que Edgar tem com Maria (filha da empregada da família dele), com quem convive desde criança e com quem tem um filho (Anderson), também não- reconhecido.

    Dessa forma, essa comédia brinca com as aparências que estruturam nossas relações e práticas cotidianas, tão afetuosas e tão repletas de fronteiras sociais e raciais, evidenciadas nas formas de tratamento e de reconhecimento social em que Maria e Virgínia são representadas, a partir das quais as/os participantes da pesquisa de recepção fílmica desenvolvem leituras preferenciais, por meio da negação de desigualdades no âmbito afetivo (grupo 2); e leituras negociadas, com a oscilação entre a naturalização e a percepção das assimetrias raciais e de gênero, quanto à condição de inferioridade da mulher negra no âmbito afetivo, à não aceitação do homem negro como parceiro ideal e à recusa de descendentes de relações inter-raciais (grupo 2). Também a compreensão das clivagens entre as duas personagens femininas no espaço fílmico (grupo 1) e entre as mulheres brasileiras na esfera profissional, no exercício da maternidade e na prática do aborto (grupos 1 e 3) se constituem leituras negociadas.

    Emergem ainda leituras oposicionais com a ênfase na postura altiva da personagem Maria diante da traição de Edgar como uma inovação na representação feminina negra (grupos 1 e 3); a identificação com a capacidade de agência dessa protagonista negra e a compreensão do cuidado e da atuação no espaço doméstico como uma forma de protagonismo da mulher negra (grupo 3).

    Embora ainda seja predominante a condição de (in)visibilidade das mulheres negras (na sociedade e na produção cinematográfica brasileira), outros sentidos também são possíveis na recepção, o que corrobora a dimensão polissêmica do discurso fílmico, interpretado pelas/os espectadoras/es na complexidade de suas práticas cotidianas, de suas experiências pessoais e de seus vínculos de pertencimento.

Bibliografia

    BAMBA, Mahomed (Org). A recepção cinematográfica: teoria e estudos de casos. Salvador: EDUFBA, 2013.
    FERREIRA, Ceiça. Lacunas nos estudos de comunicação e cinema no Brasil: feminismo (e a intersecção de gênero e raça) e recepção fílmica. MATRIZes, São Paulo, v. 11, n. 3, p. 169-195, 2017.
    HALL, Stuart. Reflexões sobre o modelo codificação/decodificação. In:______Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003, p.353-386.
    JACKS, Nilda (Org). Meios e audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014.
    MASCARELLO, Fernando. Mapeando o inexistente: os estudos de recepção cinematográfica, por que não interessam à universidade brasileira? Contemporanea. Salvador, v. 3, n. 2, p. 129-158, 2009.
    STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Campinas, São Paulo: Papirus, 2003.