Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Cristiane da Silveira Lima (UFSB)

Minicurrículo

    Professora do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências e do Centro de Formação em Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG, com a pesquisa Música em cena: à escuta do documentário brasileiro. Realizou estágio doutoral no laboratório de pesquisa La Création Sonore – Cinéma, Arts Médiatiques et Arts du Son (Université de Montréal). Coordenou o ST Teoria e Estética do Som no Audiovisual da SOCINE (2016-2017).

Ficha do Trabalho

Título

    A batalha do passinho: corpo, performance, mise-en-scène documentária

Seminário

    Corpo, gesto e atuação

Resumo

    Propomos uma breve reflexão sobre corpo e performance na mise-en-scène documentária, tomando como ponto de partida o filme A batalha do passinho (Emílio Domingos, 2013), que aborda o fenômeno da dança do passinho nas periferias cariocas. Para além da gestualidade e do saber-fazer que os corpos colocam em cena, a noção de performance permitirá abordar a globalidade do processo, que envolve formas de sociabilidade, circulação de afetos e desejos, bem como conformações de ordem social.

Resumo expandido

    Propomos uma reflexão sobre corpo e gesto na mise-en-scène documentária, tomando como ponto de partida o filme A batalha do passinho (Emílio Domingos, 2013, 75min), que aborda o fenômeno cultural do Passinho, dança derivada do funk largamente praticada nas periferias cariocas. Ele integra uma “trilogia do corpo” dirigida por Domingos que inclui também o documentário Favela é moda (em andamento), sobre o cotidiano de uma agência de modelos da favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro, e ainda Deixa na régua (2016), que retrata por sua vez o dia-a-dia de uma barbearia, com seus frequentadores que buscam serviços de corte de cabelos e feitura de sobrancelhas (Pinto, 2018).

    O filme de 2013 se passa basicamente em três comunidades na Tijuca (Morro do Borel, Andaraí e Salgueiro) e nos dá um panorama de como surgiu o movimento do passinho, contextualizando-o historicamente, apresentando-nos alguns de seus principais dançarinos (Baianinho, Cebolinha, Gambá, dentre outros) e demonstrando como a dança se tornou não apenas um elemento importante da sociabilidade juvenil nas periferias do Rio, como também um fenômeno midiático de grande alcance. Grande parte das imagens do filme são dedicadas às performances de dança propriamente dita e nessa configuração narrativa que o filme adquire, “o mesmo valor dado ao verbo é atribuído a pés, pernas, ombros, mãos, barrigas, cabeças, e, assim, temos um entrelaçar de discursos e corpos em movimento” (ALTMANN, 2011, p.114).

    A noção de performance (Zumthor, 1997, 2000; Schechner, 2003, 2011) implica necessariamente em ações situadas num tempo e espaço, que envolvem corpos que manifestam seu saber-fazer diante de um público, mas também uma série de outros elementos que gravitam no entorno dessas situações, incluindo aí a música, o cenário, a indumentária, os adereços, a audiência, etc. Os corpos performáticos não apenas colocam em cena suas competências para a dança – em termos de ritmo, flexibilidade, resistência, força, fluidez, aspectos diretamente relacionados à gestualidade –, mas também o modo com que se destinam ao olhar do outro, como se moldam (e são moldados) pelas conformações sociais às quais estão submetidos. Os dançarinos projetam-se socialmente por meio da dança, que lhes confere um status de destaque na comunidade. Como explica Leandra Perfects no filme, entusiasta do movimento e então moderadora da Comunidade Passinho Foda do Orkut, “quem tem poder hoje na favela ou é dançarino ou é traficante”.

    O documentário faz ver o investimento dos dançarinos na gestão dessa visibilidade, que manifesta-se desde o cuidado com a aparência (o preparo dos cabelos e sobrancelhas, as roupas e tênis de marca, o perfume) até o manejo estratégico de suas performances nos palcos, nas redes sociais e no próprio filme. Chama-nos a atenção, por exemplo, como em algumas variações do passinho (que conjuga de forma criativa elementos incorporados do break, frevo, do samba, entre outros), os bailarinos incorporam gestos que fazem referência direta ao universo gay (recorrendo ao tom da brincadeira, que não deixa de manifestar os preconceitos culturalmente arraigados), o que lhes permite a uma só vez atualizar seus modos de se relacionar como os parceiros na dança (em sua maioria, homens), mas também se aproximar dos gays e das garotas que frequentam os bailes.

    A batalha do passinho dá relevo aos corpos performáticos que dançam de forma habilidosa e cativante, explicitando as formas de sociabilidade desta juventude, a circulação dos seus desejos e afetos, sem omitir ao espectador a violência que se imprime aos corpos negros das periferias – como aquele que vitimou Gambá, o “rei do passinho”, assassinado por espancamento enquanto o filme estava em processo de realização. Nesse sentido, buscaremos demonstrar como o documentário, ao mobilizar os corpos performáticos em sua mise-en-scène, faz passar pelas grades de sua escritura as múltiplas mise-en-scènes que compõem a vida social (Comolli, 2004).

Bibliografia

    ALTMANN, E. Fotograma comentado – A batalha do passinho – o filme. Devires, Belo Horizonte, v. 8, n. 2, p. 110-117, jul/dez 2011.
    COMOLLI, J-L. Voir et pouvoir. L´innocence perdue: cinema, télévision, fiction et documentaire. Paris: Verdier, 2004.
    LIMA, C. S. Música em cena: à escuta do documentário brasileiro. Belo Horizonte, PPGCOM-FAFICH/UFMG, 2015. (Tese de doutorado).
    PINTO, T. M. Entrevista com Emílio Domingos: Rio de Janeiro em batalhas de som, imagem e cotidiano. Doc On-line, n. 23, março de 2018, www.doc.ubi.pt, pp. 262-275.
    SCHECHNER, R. Performers e espectadores – transportados e transformados. Moringa – Artes do Espetáculo. João Pessoa, Vol. 2, n. 1, 155-185, jan./jun. de 2011.
    SCHECHNER, R. O que é performance? O percevejo. Revista de Teatro, Crítica e Estética. Ano 11, n.12, 2003, Departamento de Teoria do Teatro. UNIRIO.p. 25-50.
    ZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura. São Paulo: EDUC, 2000.
    ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.