Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiz Fernando Coutinho de Oliveira (UFSCar)

Minicurrículo

    Luiz Fernando Coutinho de Oliveira graduou-se em Imagem e Som em 2017 pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da UFSCar, onde desenvolve pesquisa sobre o som no cinema de Pedro Costa sob a supervisão da Profa. Dra. Suzana Reck Miranda.

Ficha do Trabalho

Título

    As músicas de “Ne Change Rien” (2009)

Resumo

    Ne Change Rien (Pedro Costa, 2009), documentário sobre a cantora francesa Jeanne Balibar, remete às problemáticas de Jean-Louis Comolli a propósito da questão “como filmar a música enquanto se faz?”, e desvela relações estimulantes entre cinema e música, não apenas na medida em que as letras e origens das canções interpretadas ao longo do filme apontam para uma história do cinema, mas também porquanto se observam relações ora de oposição, ora de identidade entre o que se vê e o que se ouve.

Resumo expandido

    A obra de Pedro Costa no séc. XXI, até o momento, pode ser pensada em dois segmentos principais: o das Fontainhas, no qual o diretor português direciona as lentes de sua câmera para Vanda, Alfredo Mendes, Lento, Ventura, entre outros moradores do bairro de lata das Fontainhas, em Lisboa; e o dos documentários sobre o ofício artístico. Neste último caso, dois longas-metragens sobressaem: “Onde Jaz o teu Sorriso?” (2001), filme sobre o processo de montagem do filme “Sicilia!” (1999), de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, e “Ne Change Rien” (2009), obra sobre a cantora e atriz francesa Jeanne Balibar.

    Em ambos os documentários, Costa parece ter sido fiel a um imaginário retratista. Não que os filmes sobre as Fontainhas não fossem já, em alguma medida, retratos intimistas de seus habitantes; e não que seja possível particularizar integralmente projetos estéticos distintos entre os dois ciclos de filmes: o que diferencia estes documentários, no caso, é exatamente o princípio de registro do trabalho artístico. “Onde Jaz o teu Sorriso?” e “Ne Change Rien” evocam o gesto cinematográfico que antevê a criação artística como objeto de observação fílmica.

    Após conhecerem-se no Festival de Cinema Documentário de Marselha em 2004, Costa foi convidado por Balibar para dirigir um vídeo para uma de suas canções do álbum Paramour. Deste primeiro gesto nasceria um curta-metragem, de três sequências a abrigar três canções diferentes. A parceria duraria por mais três anos, e desta gravação de ensaios, concertos e performances é construído, por fim, “Ne Change Rien”, objeto desta pesquisa, um longa-metragem composto pelas sequências presentes no curta e de outras inéditas.

    Na análise do filme, verificaram-se correspondências estabelecidas entre a apresentação das canções e a mise en scène construída por Costa, fazendo-se possível antever relações ora de oposição, ora de identidade entre imagem e música (isto é, entre o que se vê no quadro e a letra das canções). Além disto, muitas destas canções evidenciaram uma relação estreita e estimulante entre música e cinema. A canção que dá nome ao filme, por exemplo, utiliza a voz sampleada de Jean-Luc Godard como base, e sua frase ecoante – “ne change rien, pour que tout soit different” –, proferida em seu “História(s) do Cinema” (1988), faz menção, por sua vez, a uma frase do cineasta Robert Bresson: “Sem mudar nada, tudo é diferente”. O sentido desta frase é, aliás, uma das chaves de compreensão não apenas do filme como do cinema de Pedro Costa, no que este mantém de relação com os seres e objetos que retrata.

    Além disto, “Ne Change Rien” suscitou questões interessantes no que concerne às problemáticas propostas por Jean-Louis Comolli a propósito da questão “como filmar a música enquanto se faz?”. A música, no filme, é fundamental na sugestão do espaço e tempo (“Mais do que em qualquer outro filme meu, é pelo som, pelo silêncio e pela música que se constroem as relações, a geografia e o tempo”, afirmou Costa em entrevista a Francisco Ferreira), mas o cineasta parece almejar menos sua evocação em nível do visível (como propõe Comolli) do que seu registro enquanto profissão, trabalho, artesanato.

    Através da análise de “Ne Change Rien”, nota-se, neste sentido, que o filme se estrutura principalmente do registro dos ensaios e das performances de Balibar em sua dimensão física e corpórea. Ou seja, filmar o trabalho e seus percalços, como ocorreu também em “Onde Jaz o teu Sorriso?”, filme cujo drama se encontra refletido na dimensão material do trabalho de montagem, parece ser mais norteador do que, talvez, filmar a música.

Bibliografia

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