Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Cristina Mendes (UEPG)

Minicurrículo

    Doutora (2014) e Mestre (2010) em Comunicação e Linguagens na UTP/ PR, Especialista em História da Arte do Século XX (2000) e Bacharel em Pintura (1984) na EMBAP/ PR. Professora do DEARTES na UEPG/ PR desde 2015 e do curso de Artes Visuais da UTP/ PR de 2002 a 2015. Coordena a pesquisa Processos poéticos em Artes Visuais (UEPG) e participa do grupo: Educação Estética, Trabalho e Sociedade (UTP).

Ficha do Trabalho

Título

    Encruzilhadas de sentido: RIOOIR, de Meireles, e Ouvir o Rio, de Lordy

Resumo

    O mote de RIOOIR (disco de vinil, Cildo Meireles, 2011) e Ouvir o Rio: uma escultura sonora de Cildo Meireles (documentário, Marcela Lordy, 2012) são os rios do Brasil. Se a arte reorganiza sentidos (MELENDI, 2017) e imaginário e cinema mantêm estreitos laços (MORIN, 2014), que tipos de interseções podem ser revelados na análise da relação entre as obras? Em uma espécie de reelaboração do projeto a partir da observação, disco de vinil e filme apontam singulares aspectos da Arte Contemporânea.

Resumo expandido

    Entre 2009 e 2011, Cildo Meireles produz o disco de vinil RIOOIR, que no lado A tem sons de água e no lado B de risadas. Em 2011 uma instalação com a obra é exposta no Instituto Itaú Cultural sob a curadoria de Guilherme Wiznik, para quem RIOOIR é “o permanente trajeto mental entre a sinfonia sonora e seus pontos de origem, não representáveis” (WISNIK, 2011): em uma sala escura ouve-se o som das águas e numa sala espelhada as risadas; fora das salas, fotografias mostram o processo de realização do trabalho. Em 2012, Marcela Lordy lança o longa-metragem Ouvir o Rio: uma escultura sonora de Cildo Meireles, documentário sobre a produção de RIOOIR. Ambos incluem em sua realização uma expedição cujo objetivo principal é captar sons de água em quatro lugares: Cataratas do Iguaçu, numa ênfase ao espanhol oir; Águas Emendadas, onde se encontram as principais nascentes das bacias hidrográficas brasileiras; pororoca no rio Araguari, com som captado por um surfista; e foz do rio São Francisco, onde se detecta a efetiva diminuição do fluxo das águas. Ao registrar o processo de construção da obra em diversas etapas de sua realização, o documentário, de certa forma, passa a fazer parte de RIOOIR, mais uma das possíveis encruzilhadas de sentido que se originam da proposta de Meireles. Para Cristina Freire (2014), ao discorrer sobre os parâmetros da Arte Conceitual, movimento ao qual Meireles costuma ser vinculado, o resultado da obra não se coloca em primeiro plano, o que se destaca é o processo criativo do artista. Incluído também no grupo de artistas que “tendem mais a reinscrever e reorganizar sentidos […] que a produzir objetos estéticos” (MELENDI, 2017, p.19), desde o final da década de 1960, obras de Meireles promovem discussões sobre os destinos da arte e da vida. Uma obra de Artes Plásticas (termo preferido por Meireles) que privilegia a audição é potencializada por seu documentário; o documentário, por sua vez, enriquece a imaginação com imagens reais. Ao evidenciar o papel da participação coletiva que se instala na fruição estética a partir do cinema, Morin (2011, p. 252) enfatiza: “Ele é a máquina mãe, geratriz de imaginário e, reciprocamente, é também o imaginário determinado pela máquina”. Indaga-se, então: de que maneira disco e filme criam interseções que potencializam seus sentidos? Objeto instaurador de perturbadora escuta para Gomes (2015), dentre os possíveis sentidos de RIOOIR, está a complexa relação com o sujeito da fruição ou da participação. Um palíndromo cria encruzilhadas de sentido à maneira da fita de Moebius, que ao negar a dicotomia, valoriza o eterno retorno e a finitude. Na obra de Meireles, a possibilidade de reversão está reiterada no formato do vinil, que necessita da mudança de lado para que se possa ouvir águas ou risadas. Além de representar a conjugação verbal da primeira pessoa do verbo rir, a palavra rio remete à cidade natal do artista, o Rio de Janeiro cuja imagem do Cristo Redentor visto de costas compõe a capa do vinil, trazendo à tona a memória do projeto inicial do trabalho, datado de 1976. Com o documentário, descobre-se que as nascentes estão secando, tanto em função da construção de hidrelétricas quanto pelo armazenamento de água por empreendimentos privados. O viés apocalíptico assumido pela obra é uma espécie de efeito colateral da pesquisa poética, numa rede de significações que vai além da compreensão. Se para Agamben (2008) ser contemporâneo é conseguir viver no escuro de seu tempo, coadunando as fraturas do presente e estabelecendo, nessas fraturas, uma relação especial de temporalidade, as obras de Meireles e Lordy, ao evidenciar problemas de ordem política e social, apontam para um futuro próximo, no qual talvez todas as águas do Brasil se tornem residuárias, isto é, o país deixará de ter fontes cristalinas. As risadas, de crianças e adultos, o lado B do vinil, para Meireles (2011) denotam o caráter irônico de tal situação.

Bibliografia

    AGAMBEN, G. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2008.
    FREIRE, C. Arte Conceitual. RJ: Jorge Zahar, 2006. Versão Kindle.
    GOMES, G. M. Uma escuta para a finitude: Ensaio sobre RIOOIR de Cildo Meireles. Dissertação de Mestrado em Psicologia, USP, 2015. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/gomes_me%20(2).pdf. Acesso em: 7 abr, 2018.
    LORDY, Marcela. Ouvir o rio: uma escultura sonora de Cildo Meireles. DVD, 2h:27min, Cor, Brasil, 2012.
    MEIRELES, C. Ocupação. Instituto Itaú cultural de São Paulo, 2011. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2018.
    MELENDI, M. A. Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes. RJ: Cobogó, 2017.
    MORIN, E. O Cinema ou o Homem Imaginário: ensaio de Antropologia Sociológica. SP: É Realizações, 2014.
    WISNIK, G. Aqui, do lado de lá. Instituto Itaú cultural, 2011. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/cildo-meireles/texto-do-curador/. Acesso em: 12 mar 2018.