Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernando Morais da Costa (UFF)

Minicurrículo

    Fernando Morais da Costa é professor do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense. Autor de O som no cinema brasileiro (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008) e organizador de Som + Imagem (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012). É atualmente o secretário acadêmico da SOCINE.

Ficha do Trabalho

Título

    Arábia. O narrador que tarda, as pessoas que falam devagar

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Resumo

    Arábia se insere em um conjunto de filmes contemporâneos que trazem, ao mesmo tempo, uma voz de um narrador marcante, em primeira pessoa, e momentos de silêncios evidentes do que seriam os ruídos em torno do espaço no qual os personagens trabalham. Quão ligados, como espectadores, estamos à voz desse narrador improvável, e como isso se dá? Quão importantes são os silêncios que dividimos com ele?

Resumo expandido

    Arábia traz um narrador em primeira pessoa cuja voz ouvimos apenas depois de um longo prólogo. Durante um tempo razoável da exibição do longa-metragem o dono daquela voz não surge como um personagem central.
    A partir do momento em que tal voz aparece, podemos entender que somos guiados por um narrador improvável. Um narrador que nos diz não ser bom com as palavras. Que não sabe escrever bem, embora as palavras que escutemos, e que escutaremos até o fim do filme, venham da leitura de um caderno seu.
    Arábia se insere, dessa forma, na longa tradição de filmes epistolares, da qual fazem parte, entre outras, obras de Agnès Varda, Cartas da Sibéria e Sans Soleil de Chris Marker, parte da produção fílmica de Marguerite Duras.
    A voz do narrador em Arábia traz as marcas de um sotaque interiorano, mineiro, a cadência ralentada, que os personagens à sua volta também produzem em suas falas.
    Analisar tal voz é dar continuidade ao projeto de pesquisa que vem baseando seus resultados nos pressupostos cunhados por Roland Barthes, por Don Ihde. Assim, Arábia une-se aos filmes de Miguel Gomes, de Marcelo Gomes, de Karim Aïnouz.
    Os ruídos produzidos nos ambientes de trabalho, nas fábricas, constituem parte importante da sonorização do longa-metragem. Em determinado momento, a voz que narra nos diz que parou de escutar. Que seus ouvidos “se fecharam”. Partilhamos esse silêncio com o narrador.
    Temos ali um caso curioso, e não inédito na história do cinema, de partilha de um ponto de escuta não a partir do que o personagem ouve, mas a partir do que ele deixa de ouvir.
    Para além das relações entre voz do narrador, silêncios e imagens, cabe destacar também em Arábia a importância das performances musicais. Os personagens se refugiam da rotina árdua do trabalho e da pobreza ao estabelecerem, no seu cotidiano entre a casa e a fábrica, uma rotina de canções, tocadas nos violões e cantadas. Trata-se de criar um território seguro através das canções, um espaço de segurança para eles próprios, relação essa entre território e sonoridades que tem sido revisitada por algumas pesquisas brasileiras recentes.

Bibliografia

    BARTHES, R. The grain of the voice. In: STERNE, J. (Ed.). The sound studies reader. New York: Routledge, 2012. p. 504-510.
    ELSAESSER, Thomas. (Des)representando lo real: viendo sonidos y escuchando imágenes. Imagofagia. Revista de la Associación Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual. N. 17. Maio de 2018. www.asaeca.org/imagofagia
    IHDE, D. Listening and voice: phenomenologies of sound. 2. ed. Albany: State University of New York Press, 2007.
    QUINLIVAN, D. The place of breath in cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2012.