Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Douglas Deó Ribeiro (UFPE)

Minicurrículo

    Mestre em Comunicação pelo PPGCom – UFPE. Bacharel em Cinema e Audiovisual pela UFPE. Médico pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco – UPE.

Ficha do Trabalho

Título

    O Sabbat das Bruxas: “Corra!” e os 50 anos de “O Bebê de Rosemary”.

Resumo

    Esta análise compara cenas de um conjunto de filmes, em particular os filmes “O Bebê de Rosemary” e “Corra!”, além de outros textos, como o “Fausto” de Goethe. O foco da análise são as cenas em que reuniões, em geral de cunho macabro ou funesto, de grupos de personagens emulam o imaginário mítico dos Sabás das Bruxas, ritos que marcavam as mudanças de estação, anunciando os frutos e agouros do futuro e que persistem no imaginário da cultura ocidental como reflexo de nossos temores.

Resumo expandido

    Na última cena de “O Bebê de Rosemary”, a protagonista atravessa a passagem entre seu apartamento e o dos vizinhos com uma faca à mão, para enfim confirmar que seu filho não está morto, que é cria do Diabo e que uma espécie de reunião satânica acontece no lugar. Uma mistura de signos compõe um presépio macabro: quadros incendiários na parede, o berço preto com a cruz invertida como móbile, convidados trazendo presentes, a própria Rosemary com uma camisola longa como uma túnica azul celeste…
    Essa cena final funciona como o quarto movimento dos ritos diabólicos que o filme manteve em várias espécies de foras-de-quadro até então. A reunião aparece (1) como cântico ritual através da parede que separa os apartamentos, (2) como o rito de fecundação, em que Rosemary é estuprada pelo Diabo numa atmosfera de sonho, intoxicada pela mousse que ganhou de Minnie, (3) como revéillon do ano de 1966, anunciado como o ano 1 de uma nova era, cujo marco inicial é o embrião maldito que Rosemary carrega no útero e (4) na cena final, em que o menino se faz carne (embora nunca tenhamos sua imagem).
    Para além das imbricações que o filme elabora a cada minuto entre os elementos do imaginário católico e a seita obscura comandada por simpáticos velhinhos (o Papa, a carne de cordeiro, etc), a reunião de bruxos, que pretende “vingar os queimados e torturados” tornando carne o filho do Diabo gerado por uma primípara, anuncia distopicamente uma nova era em que valores tradicionais serão sepultados, em perfeita consonância com os brados dos movimentos contraculturais dos anos 1960, como o Maio de 68 na França, os Cinemas Novos, o Rock e a New Hollywood, de que o filme de Polanski faz parte.
    Críticos da obra do cineasta sinalizaram para a coincidência entre as profecias funestas do filme e a história pessoal do cineasta. Se um ano antes, em seu menos aclamado “A Dança dos Vampiros”, a cena final do baile mostra os personagens de Polanski e Sharon Tate planejando um futuro idílico, longe daquela Transilvânia (embora ela esteja contaminada pela mordida do vampiro) e, pouco tempo depois, os dois tenham se casado na vida real, o horror da parturição e o melodrama macabro de Rosemary pareceu um sombrio prenúncio do assassinato brutal de Tate, grávida de oito meses, pela seita de Manson, um subproduto monstruoso da contracultura estadunidense.
    Cinquenta anos depois, “Corra!”, de Jordan Peele, elabora uma distopia histérica e racista que assusta pelas óbvias semelhanças com a realidade atual (e seu imaginário). No filme, jovens negros são sequestrados para que brancos decadentes (velhos, doentes e deficientes) possam ter suas almas implantadas num corpo vigoroso através de um fantasioso procedimento psicocirúrgico. Num equivalente ao conciliábulo de “Rosemary”, um grupo de macabros aristocratas reúne-se com a máscara de uma festa de família para realizar o leilão do protagonista – cujos olhos de artista visual são finalmente comprados por um marchand cego.
    O elemento que conecta esses filmes e que interessa a esta análise, é a presença desses grêmios secretos e tenebrosos – equivalentes aos míticos Sabbats das Bruxas, reuniões milenares das culturas pagãs que sofreram perseguição pelo cristianismo como bruxaria e que, no entanto, celebravam as mudanças de estação, como, por exemplo, a Noite de Walpurgis, eternizada na tragédia “Fausto”, de Goethe, que sincretiza as comemorações da Santa Walburga e os festejos heréticos, anunciando a Primavera. Nas narrativas ocidentais, essas cenas materializam temores, reais e imaginários, da sociedade de sua época, como espelhos que olham para o tempo que ora retratam, colocando em xeque a posição do próprio sujeito que vê tais imagens, como analisou Foucault sobre “As Meninas”, de Velásquez. Nos dois filmes analisados, o reflexo assustador do mundo que vemos, em lugar de apresentar a psicopatia solitária de um indivíduo, está impregnado de temerosas sociopatias de grupo, registros dos mais obscuros recônditos da humanidade

Bibliografia

    AVRON, Dominique. Roman Polanski. Marseille: Rivages, 1987.
    BETHENCOURT, Francisco. Racismos. Das Cruzadas ao Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
    BISKIND, Peter. Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood. Rio de Janeiro: Intríseca, 2009.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. A Imagem Sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
    _________. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998.
    FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
    _________. Microfísica do Poder.São Paulo: Paz e Terra, 2017.
    RIBEIRO, Douglas Deó. Os Sujeitos e o Mundo: Notas sobre a encenação no cinema de Roman Polanski. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Artes e Comunicação, 2015.
    TYLSKI, Alexandre. Roman Polanski, l’art de l’adaptation. Paris: L’Hamarttan, 2006.