Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Andrea França Martins (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Andréa França fez doutorado em Comunicação e Cultura na UFRJ e pós-doutorado na Universidade de Reading (UK). Profa. e Coordenadora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio. Pesquisadora do CNPq.

Ficha do Trabalho

Título

    A MISE-EN-SCÈNE DA ESPERA NO CINEMA DE MARIA RAMOS

Seminário

    Mulheres no cinema e audiovisual

Resumo

    Há no cinema de Maria Ramos um movimento de restituir o mundo sensível da espera. A câmera extrai do enquadramento e dos silêncios um rigor formal que solicita concentrar a visão na composição e na duração da cena. Tais momentos convidam o espectador a partilhar dessa experiência resignada vivida por sujeitos em situação de fragilidade/precariedade. O Processo (2018) subtrai essas cenas de suas imagens. A proposta é avaliar tal ausência à luz das cenas de espera recorrentes nesse cinema.

Resumo expandido

    Maria Augusta Ramos é uma documentarista que vive entre o Brasil e a Holanda. Seus filmes, feitos para tv holandesa e para o cinema, evitam as entrevistas, a narração, a trilha sonora e qualquer indício que denuncie a presença da câmera e da equipe na imagem. Desde Desi (2000), o espectador é solicitado a acompanhar o cotidiano de personagens que representam a si mesmos no trato penoso com instituições – familiares, jurídicas, policiais ou financeiras. Diferentemente da atenção aos detalhes e aos acasos daqueles que são “observados” com lentes zoom e câmeras leves do primeiro cinema direto (Drew, Maysles), a câmera em Ramos se impõe abertamente porque interessa menos o flagrante do que tornar sensível o universo daqueles que padecem (indivíduos pobres ou em situações de precariedade) no convívio com as instituições.

    Em seus primeiros filmes, o foco são personagens individuais, com dramas e conflitos ligados ao cotidiano social (Brasilia, um dia em fevereiro, 1997) ou familiar (Desi); em filmes mais recentes, a câmera revela um quadro social mais amplo, envolvendo as implicações do poder da polícia dentro das comunidades cariocas (Morro dos Prazeres, 2013), o sistema judiciário (Justiça, 2004, Juízo, 2007), os serviços deficientes do Estado (Seca, 2015), a dinâmica complexa do capitalismo tardio a partir do centro financeiro do Brasil, a cidade de São Paulo (Future June, 2015). Em comum, uma câmera que acompanha existências anônimas, buscando deslindar, através delas, as instituições de poder e de vigilância com as quais lidam no cotidiano.

    Há um movimento de descrever e restituir o mundo sensível dos problemas cotidianos e da espera. A câmera extrai do enquadramento e dos longos planos e silêncios um rigor formal que solicita concentrar a visão na composição e no tempo da cena. Tais filmes não apenas descrevem indivíduos em desajuste com as instituições mas querem também se apropriar dos espaços e do tempo que passa enquanto eles esperam. Os planos longos, com pouca ação, solicitam do espectador a partilha desta experiência resignada. Enquanto esperam – a visita de alguém, a decisão da justiça, a chegada do carro-pipa, o dia da audiência -, os personagens encontram-se em silêncio, absortos, e a câmera se avizinha da interioridade desses corpos.

    O processo (2018) porém distancia-se das vidas ordinárias. Em foco estão as audiências do impeachment de Dilma Rousseff, as coletivas de imprensa, as votações na Câmara dos Deputados e no Senado que conduziram à queda da ex-Presidente. O filme circula pelos corredores do Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e os arredores do poder político. Existe o interesse pelas cena do tribunal na sua dimensão performativa e teatral (como em Justiça ou Juízo), mas as cenas de espera, enquanto lugar de uma experiência sensorial partilhada, estão ausentes.

    Gostaria de considerar essa ausência mais detidamente. Por que o trabalho de edição foi subtraindo do filme uma das marcas desse cinema, a saber, as cenas de espera? O artigo “O Processo – observação em crise” constata essa ausência ao afirmar: “a tentativa de dar conta do processo em duração palatável ao exibidor e aos espectadores, parece ter sido responsável pelo aspecto fragmentado de O Processo. Fica sem explorar o potencial de algumas sequências fortes que terminam de modo brusco (…)”. A crítica de Eduardo Escorel detecta precisamente a ausência de um dos motivos visuais recorrentes no cinema de Ramos.

    Me pergunto se aí onde o crítico vê a perda do tempo da espera, seu esmaecimento, talvez pudéssemos encontrar outro espaço e outro tempo, ligados à crença na efetuação de um estado de coisas já dado de antemão. Teria O Processo reduzido as cenas de espera de suas imagens de modo a mostrar a fatalidade do percurso narrativo, jurídico e político do processo de impeachment? A ausência da espera, enquanto experiência partilhada pelo personagem, pela câmera e pelo espectador, posiciona o filme diante do que registra.

Bibliografia

    Comolli, Jean-Louis. Voir et pouvoir – cinema, television, fiction, documentaire. Paris: Éditions Verdier, 2004.
    Escorel, Eduardo. “Observação em crise”. Em: http://piaui.folha.uol.com.br/o-processo-observacao-em-crise/. Acessado em maio de 2018.
    França, Andréa e Avellar, José Carlos. “As imagens silenciosas e os corpos em desajuste no cinema de Maria Ramos”. Revista Devires – Cinema e Humanidades, Belo Horizonte, v. 10, N. 2, 2013.
    França, Andréa. “When to Speak and When to Keep Quiet: The Gesture of Waiting in the Films of Maria Ramos”, in: Women directors (edited by I. Margulies and J. Szaniawski), New York, ed. Bloomsbury Publishing (no prelo).
    Lissovsky, Mauricio. Máquina de Esperar. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2008.
    Rancière, Jacques. Le partage du sensible – esthétique et politique. Paris: La Fabrique Éditions 2000.