Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior (USP)

Minicurrículo

    Professor titular na ECA-USP ensinando Teoria, História, Análise e Crítica. Lidera o grupo de pesquisa História da experimentação no cinema e na crítica. Foi conselheiro na SOCINE, onde cria o ST Cinema como arte, e vice-versa. Pesquisador e curador dos projetos Marginália 70, Itaú Cultural, e Experimental Media in Latin America, Los Angeles Filmforum/Getty Foundation. Autor do livro Contribuições para uma história do cinema experimental brasileiro: momentos obscuros, desafio crítico (2020).

Ficha do Trabalho

Título

    Cineclubista, professor, ensaísta: Sobre a originalidade da Crítica de Jean-Claude Bernardet

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Resumo

    Abordaremos a Crítica de Bernardet pelo viés da análise do professor em classe, além de certos procedimentos particulares praticados em sua escrita e no desenvolvimento circunstanciado de seu estilo ensaístico em perspectiva de crítica imanente, as singularidades relevantes em sua maneira de colocar-se, tanto como Outro quanto ponto de vista do público, diante do ato de descrever ao analisar as formas, comentar conteúdos que nelas se exprimem, ou de dispor argumentos e démarches interpretativas.

Resumo expandido

    Paulo Emílio começa assim o Prefácio apresentando o nosso crítico em seu 1º livro, Brasil em tempo de cinema (1967):

    “Jean-Claude Bernardet, hoje um escritor brasileiro em ponto de bala para seu país e seu tempo, há poucos anos era um jovem esteta europeu bastante contemplativo e um tanto melancólico. A metamorfose foi provocada pelo Brasil e pelo cinema brasileiro.”

    Escrevendo em periódicos, seu “modo de aprender o português”, sua crítica não se deveria tanto à relação com o campo francófono quanto ao modo de apropriar-se dele conforme sua posterior formação sólida na cinefilia e no debate intelectual desde São Paulo, onde chega aos 13 anos com a família, após a 2ª Guerra. Aqui porém continuou sua formação no Liceu Pasteur, colégio em que só se fala e lê em francês. Chegou a preparar um projeto de pesquisa sobre a obra de Sartre, da qual teria lido “quase tudo”. Entretanto afirma que o cineclubismo foi sua verdadeira faculdade. Se lá aprendeu muito, também lá começa a ensinar: prepara debates, organiza Cursos de Formação de Cineclubistas.

    Paulo Emílio o chama para a criação do curso de cinema da UnB e, com a Ditadura é afastado da docência, tanto em Brasília como anos depois na USP, com o fechamento do regime afetando os inícios do curso de cinema. Continua pelos anos 70 a atividade de crítico na imprensa nanica, propõe cursos a entidades como o Instituto Goethe. Por exemplo o ciclo sobre a História do Cinema Alemão, apoiado na bela filmoteca do Goethe e no livro de Kracauer De Caligari a Hitler (1947), ainda inédito em português. A cada aula expunha um trecho do livro — que abrange quase 50 anos —, projetava um filme, depois trazia a análise do livro para então abrir o debate, no qual acabava por fazer sua própria análise, onde concorda, nuança ou diverge do autor. O posto de professor na ECA-USP só pôde retomar nos anos 80, onde continua publicando livros marcantes.

    Suas análises do livro de 1967, bem como as posteriores, articulam sempre descrição de forma fílmica e conteúdo social, rendendo questões polêmicas em narrativas analisadas: “personagem-pêndulo”, “luz estourada”, perspectiva política popular como “ponto-de-vista de classe média”. Questões historicizadas que revelam qualidades, sintomas e pontos cegos da inteligência estética e política nacional, desde então imorredouros na cultura intelectual brasileira.

    Criou um modo bem seu de criticar partindo ou de pinceladas mínimas de contexto básico, ou logo contemplando algo de suas impressões que a seguir se transformam em análises internas para só então buscar os comentários solicitados pela obra, empenhando-se em discutir diagnósticos interpretativos. Nisto segue a trindade Análise formal-Comentário-Interpretação, retomada também nos cursos da ECA por Ismail Xavier e advinda de uma tradição que remontaria a Antonio Candido, Paulo Emílio e o grupo da revista Clima (1941-44). Nos cursos da ECA Jean-Claude quando perguntado sobre o trabalho final da matéria pedia que cada um escolhesse uma fita para analisar. E logo advertia à classe que se o texto começasse por algum Quadro Histórico, ele nem leria — devolvia para refazer. Fica de recuperação. Explicava que isso não seria senão uma repetição da repetição: preferia que se começasse pela fita; se ela, uma vez observada, descrita na análise, exigisse algum comentário, interpretação, só aí então eles podem vir.

    Neste quadro o mestre se permitia inverter o tripé professado por Candido, que sugeria na análise do poema começar pelo Comentário, para melhor analisar a obra antes de qualquer interpretação. Questões didáticas de quem conhece os seus alunos. Ou à época em que vivem. Só dos verdadeiros discípulos espera-se que superem seus mestres. Hoje nos textos acadêmicos a análise fílmica prima pelo comentário já interpretativo, brilhando bem mais e ofuscando o pálido objeto, que se analisa não mais em sua forma, mas na sua sinopse temática. É a violência dos conceitos imposta à singularidade das obras. Sinal dos tempos!

Bibliografia

    Adamatti, M. “Brasil em Tempo de Cinema como método de análise fílmica”. E-Compós 19(3), 2016.
    Adorno, T.W. “Engagement”, Notas de literatura. RJ: Tempo brasileiro, 1973.
    ____ “O ensaio como forma”, Notas de literatura I. SP: Ed.34, 2003.
    ____Teoria estética. 2ª ed.rev. Lisboa: Ed.70, 2008.
    Argan, G.C. Arte e critica d’arte. Roma: Laterza, 1984.
    Aumont, J. “Meu caríssimo objeto”, Imagens 5, Campinas: Edunicamp, 1995.
    ____À quoi pensent les films. Paris: Séguier, 1996.
    ____; Marie, M. L’Analyse des films. Paris: Armand Colin, 2015.
    Bernardet, J.C. Trajetória crítica. SP: Polis, 1978.
    Candido, A. O estudo analítico do poema. SP: Humanitas, 2004.
    ____Textos de Intervenção. (org. V.Dantas) SP: Ed.34, 2002.
    Desanti, J.T.; Mondzain, M.J. (et al.) Voir ensemble. Paris: Gallimard, 2003.
    Lévinas, E. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 1997.
    Sartre, J.P. “Apresentação de ‘Les Temps Modernes’”, praga 8, 1999.
    Xavier, I.; Gatti, J. “Arte é desafio, provocação”, Rebeca 6, 2014