Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiza Cristina Lusvarghi (Unicamp)

Minicurrículo

    Luiza Lusvarghi é jornalista, editora, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Multimeios da Unicamp, Brasil. É formada em Jornalismo com mestrado e doutorado em Comunicação pela Universidade de São Paulo. É autora de Narrativas Criminais da Ficção Audiovisual da América Latina (2018), coorganizadora e autora das coletâneas Mulheres Atrás das Câmeras (2018) e O Brasil Fantástico do Cinema (2024).

Ficha do Trabalho

Título

    Mulheres, ecodistopias e imaginários brasileiros no cinema

Resumo

    O Brasil, em filmes internacionais, surge quase sempre como destino exótico, e raramente como ponto de partida para discutir tragédias ambientais. No cinema nacional, a crise climática tampouco desempenha papel essencial. Essa proposta visa refletir sobre o impacto de desastres ambientais nos papeis sociais a partir da análise de dois filmes dirigidos por diretoras brasileiras – Cidade Campo (2024), de Juliana Rojas, e Nuvem Rosa (2021), de Iuli Gerbase – e suas protagonistas.

Resumo expandido

    Por conta de ser parte integrante da Amazônia, o Brasil com frequência rende imagens e denúncias nos noticiários internacionais e é citado em filmes sobre desastre ambiental e preservação. Em geral o cenário amazônico utilizado quase sempre beira o pastiche e pode ser gravado na Flórida, como em Brenda Starr (1989), servindo de mero pretexto para filmes de entretenimento (AMANCIO, Tunico, 2021). “Sabe-se que o Brasil, entre outros países latino-americanos ou não-ocidentais, inspira em observadores estrangeiros o ideal de uma terra exótica, selvagem, muitas vezes até romântica (SUPPIA, Alfredo, 2020). Um dos primeiros filmes brasileiros a tratar do impacto dos desastres ambientais sobre a sociedade foi o experimental Quem é Beta? (1972), de Nelson Pereira dos Santos. Depois vieram Parada 88: o limite de alerta (1978), de José de Anchieta, e Abrigo Nuclear (1981), de Roberto Pires. No processo da Retomada temos Oceano Atlantis (1993), de Francisco de Paula e Acquaria (2005), de Flávia Moraes.
    Na verdade, as ecodistopias estão pouco presentes em nossa cinematografia. Nos filmes citados, as mulheres ocupam lugares quase sempre secundários. Em Brasil Ano 2000 (1969), que se passa num Brasil devastado pela Terceira Guerra Mundial, os personagens são definidos por suas funções sociais ou identitárias, como Repórter, Prefeito, Juiz, mas as mulheres não possuem função atribuída, apenas um papel social em função de seu gênero – Mulher, Garota, Mother.
    Essa proposta visa refletir sobre essas questões a partir da análise de dois filmes dirigidos por diretoras brasileiras: Cidade Campo (2024), de Juliana Rojas, e Nuvem Rosa (2021), de Iuli Gerbase. De estilos e estéticas bastante distintas, ambos coincidem na abordagem da relação do ser humano com o meio ambiente: os desastres ambientais são tragédias provocadas por um conceito de civilização que se encontra em crise, mas são também estratégias narrativas para falar do isolamento social no mundo contemporâneo e dos processos de deslocamento e migração que esses eventos propiciam. No primeiro filme, as protagonistas são três mulheres, no segundo a personagem feminina é coprotagonista, mas é quem garante a reviravolta.
    Em Campo Cidade, o desastre ambiental ganha dimensão de tragédia, retirando todas as referências da protagonista da primeira parte do filme, Joana (Vianna) diretamente atingida pelo rompimento da barragem de Brumadinho, sendo obrigada a deslocar-se para a metrópole. Já em A Nuvem Rosa, um confinamento proporcionado por outro desastre ambiental, que torna o ar irrespirável, transforma um encontro casual entre Giovanna (Renata de Lélis) e Yago (Eduardo Mendonça) em um relacionamento efetivamente claustrofóbico, mas as causas (naturais?) do desastre tampouco são abordadas. Ambos os filmes estão mais interessados em discutir a natureza humana das relações do que propriamente os rumos catastróficos da sociedade contemporânea, que entram como pano de fundo. No entanto, ao lidarem com esses cenários, esses filmes acabam adentrando espaços singulares que inevitavelmente nos levam a repensar os vínculos amorosos e familiares dentro do mundo contemporâneo, e o papel da mulher nessas sociedades, que segundo os ideais utópicos, deveriam propor novas formas de igualdade. No entanto, essas mudanças só se colocam em situações limite, como bem demonstra Giovanna, em A Nuvem Rosa, que não se vê mais como uma mulher destinada a um núcleo familiar, e fica ainda mais evidente em Joanna, de Campo Cidade, mas também no casal romântico lésbico formado por Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer, que integram a segunda parte do filme.
    A crise ambiental, os conflitos gerados pelo extrativismo desenfreado e a exploração brutal destes territórios não são a principal discussão destes filmes. Ao abordar a angústia existencial trazida por essas situações que colocam pessoas em não lugares (utopias), essas obras revelam que não é mais possível voltar ao mundo que conhecíamos.

Bibliografia

    AMANCIO, Tunico. O Brasil dos Gringos. Imagens no Cinema. Ebook. São Paulo: Editora Polytheama, 2022.
    BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. São Paulo: Civilização Brasileira (Grupo Editorial Record).
    JAMESON, Fredric. Arqueologias do futuro: O desejo chamado Utopia e outras ficções científicas. São Paulo: Autêntica, 2021.
    KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do Feminino: a Mulher Freudiana na Passagem Para a Modernidade. São Paulo: Boitempo Editorial, 2016.
    MULVEY, Laura. Afterimages: On Cinema, Women and Changing Times. London: Reaktion Books, 2020.
    SUPPIA, Alfredo. Respira fundo e prende: um pequeno raio-X da ecodistopia no cinema brasileiro, do regime militar aos militares no regime. Revista Eco-Pós – O Pensamento Ecológico (v.23, n.2, 2020).Em https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/27528