Ficha do Proponente
Proponente
- Fernanda Andrade Fachin (USP)
Minicurrículo
- Mestranda em Meios e Processos Audiovisuais na ECA-USP, onde desenvolve um estudo comparativo sobre Stan Brakhage e Andy Warhol. Bacharel em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com monografia sobre os primeiros filmes de Hollis Frampton. Estuda principalmente as vanguardas americanas, cinema experimental e relações do cinema com outras artes.
Ficha do Trabalho
Título
- De Manet a Warhol e de volta a Lumière
Eixo Temático
- ET 2 – INTERMIDIALIDADES, TECNOLOGIAS E MATERIALIDADES FÍLMICAS E EPISTÊMICAS DO AUDIOVISUAL
Resumo
- Este trabalho discute a confrontação do olhar em Warhol e Manet e a “cena primitiva” em Warhol e Lumière, argumentando que as duas discussões estão unidas por um “desvão inquietante” em comum: o desengajamento dos protocolos narrativos através de um movimento bascular entre espaço interno e externo a obra, característico da modernidade.
Resumo expandido
- Partimos de algumas comparações entre telas de Manet e momentos da filmografia de Warhol, (por exemplo, o Screen Test de Edie Sedgwick (1965) e o retrato de Berthe Morisot (1872); Nana (1877) e Poor Little Rich Girl (1965); o olhar de Robert Indiana em Eat e da figura feminina do Déjeuner) e da interpretação já bem estabelecida sobre o jogo entre espaço pictórico e espaço além da moldura em Manet (SALZSTEIN, 2020), para pensar no dispositivo “in/off” dos filmes de Warhol e na cisão do paradigma narrativo em ambos (filmes e telas), considerando a especificidade da descontinuidade espaço-temporal de cada meio.
Em seu posfácio para a edição brasileira do livro de George Bataille sobre Manet, Sônia Salzstein argumenta, com base no texto de Aby Warburg sobre o Déjeuner sur l’herbe escrito em 1929, que o pintor teria instaurado um “desvão inquietante na pintura”: o desengajamento, através do olhar e da postura corporal da principal figura feminina da tela, personagem de Victorine Meurent, dos protocolos do gênero narrativo. O uso do termo inquietante é curioso e evidentemente nos remete a Freud. No texto de 1919, o Unheimliche aparece como uma espécie de negação do familiar que se define pela necessidade deste no interior do estranhamento. Em outras palavras, uma experiência sinistra que não deixa de ter uma estranha conotação familiar, remetendo de alguma forma à ela.
Warhol e Manet parecem instaurar no âmbito da cumplicidade uma estranheza que diz respeito à quebra do decoro narrativo: a obra, fílmica ou pictórica, quando é mais íntima conosco é estranha a nós no sentido de que nos parece estranha ao nos dirigir o olhar porque vai além dos domínios restritos da moldura. Há algo que já não acontece apenas no interior da cena mas em uma instância externa ao espaço narrativo.
A “posição en-abyme do espectador” é algo que Thomas Elsaesser aponta como característico das exibições dos filmes Lumière: “que eram feitos para serem experimentados como “fechados” e como “abertos”, aprimorando – mas também comentando – os loops do kinetoscópio de Edison” (ELSAESSER, 2020). Le repas de bébé (1895)/ Eat (1964), The May Irvin-John C. Rice Kiss (1896)/ Kiss (1963), são dois exemplos de comparações feitas entre os filmes de Warhol e o primeiro cinema. Elas se baseiam não só nos motivos comuns aos filmes mas nessa espécie de comentário cinematográfico. É como se Warhol estivesse comentando e preenchendo as lacunas das variedades de Lumière setenta anos depois e no início de sua produção fílmica. Há, nos filmes dele, algo como os resíduos de uma vocação científica e do gosto pelo puro registro do “primitivismo” (APRÀ,1971; BURCH,1991). Abordaremos essas comparações junto da sugestão de Elsaesser: “Numa postura mais claramente borgeana, vendo filmes dos Lumière como Pesca de peixinhos dourados [La Pêche aux poissons rouges, 1895], Balanços de parque [Balançoires, 1896], O quintal [Basse-cour, 1896] no fim dos anos 1960, após Sleep [1963], ou Empire [1964], poderíamos nos maravilhar com a sagacidade com a qual Louis Lumière compreendeu Andy Warhol de maneira tão concisa e com tão consumada economia.”
Bibliografia
- APRÀ, Adriano; UNGARI, Enzo. Introduzione al metodo Andy Warhol. Roma: Arcana, 1971.
BATAILLE, Georges. Manet. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.
BURCH, Noel. In and out of synch – the awakening of a cine-dreamer. Londres: Scolar Press, 1991.
CLARK, T.J. A pintura da vida moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ELSAESSER, Thomas. Louis Lumière, arqueólogo de futuros possíveis. In: Lumière Cineasta. São Paulo: CCBB, 2020.
FREUD, Sigmund. O infamiliar. São Paulo: Autêntica, 2019.
SALZSTEIN, Sônia. Manet: os lugares do espectador. [Posfácio]. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.