Ficha do Proponente
Proponente
- Fernando Mascarello (Pesq. Independente)
Minicurrículo
- Fernando Mascarello é doutor em Cinema (USP, 2004), mestre em Psicanálise (UFRGS, 2020) e doutorando em Relações Internacionais (UFRGS). Organizou o livro História do Cinema Mundial (Papirus, 2006, em 7a. edição). Na SOCINE, foi membro do Conselho Deliberativo (1999-2009) e criador e coordenador dos STs “Indústria e Recepção Cinematográfica e Audiovisual” (2009-2011) e “Recepção Cinematográfica e Audiovisual” (2012-2014). Foi professor do curso de Realização Audiovisual da UNISINOS (2003-2022).
Ficha do Trabalho
Título
- Teorias de cineastas e processos de criação: Cineastas do Sul Global produzindo no e para o Império
Resumo
- No contexto da nova ordem multipolar, de declínio relativo dos EUA e da UE e ascensão de China, Rússia, Índia e outros BRICS, como poderiam ser entendidas as atitudes políticas, ideológicas e psíquicas de cineastas do Sul Global trabalhando em filmes e séries hollywoodianos? Partindo da análise do “discurso geopolítico americanista de Hollywood”, sugiro buscar metodologias de pesquisa sobre o assunto, através do recurso às vertentes da Teoria de Cineastas e da Crítica dos Processos de Criação.
Resumo expandido
- A adesão de realizadores e atores estrangeiros a Hollywood tem sido uma constante ao longo da história do audiovisual, seja pela migração aos EUA, seja por uma visitação eventual, hoje mais frequente. Temos desde os casos mais esperados de profissionais estrangeiros de língua inglesa até expoentes do cinema internacional de língua não-inglesa, como Fritz Lang, F. W. Murnau, Marlene Dietrich, Carmen Miranda, Billy Wilder, Jean Renoir, Roman Polanski, Milos Forman, Wim Wenders, Ang Lee, Wong Kar-Wai, Juan José Campanella, Alejandro Iñárritu, Gael García Bernal, Walter Salles e Wagner Moura.
É fato que essa migração ou visitação a Hollywood varia significativamente em termos de circunstâncias históricas, políticas e pessoais. Ainda assim, os debates críticos, cinefílicos e acadêmicos sobre o fenômeno em geral sempre tiveram como foco as concessões, feitas pelos cineastas, às exigências estéticas e ideológicas da produção massiva hollywoodiana, em troca da recompensa de maior reverberação geográfica e cultural.
Este trabalho, ao invés disso, postula a focalização de um aspecto que, embora não completamente ausente dos referidos debates, costuma ocupar posição coadjuvante. Trata-se da relação política, ideológica e psíquica dos cineastas do Sul Global ou de suas diásporas – constituídos subjetivamente por repertórios culturais e identidades e ideologias nacionais ou étnicas, mesmo que não-nacionalistas, tributários de seus locais de origem – com o chamado “discurso geopolítico americanista” de Hollywood (Dittmer, 2013), para o qual contribuem com seu trabalho.
Entendo que este deslocamento de foco é premente por conta da continuada posição nuclear de Hollywood na estrutura do soft power midiático e cultural estadunidense, o qual segue extremamente resiliente e tem função central no projeto americano de manutenção de seu poder imperial no século 21. Tal papel geopolítico dos filmes e séries hollywoodianos deve ser entendido, claro, no contexto da nova ordem multipolar mundial operante nas duas últimas décadas, definida pelo declínio relativo do poder econômico, político e militar dos EUA e seus aliados europeus ocidentais e pela simultânea ascensão de países dos BRICS e do Sul Global como China, Rússia, Índia, Turquia, Indonésia, Brasil, México e outros (p. ex., Todd, 2024). Isso tudo vem acompanhado não só do forte recrudescimento do imperialismo americano a partir de 2003, com a Guerra do Iraque, mas também, mais recentemente, de uma tendência de acirramento das tensões entre Norte e Sul Globais.
Frente a isso, postulo a necessidade de um esforço de pesquisa tendo como objeto, justamente, as relações entre as teorias, pensamentos, crenças, ideologias e processos de criação desses cineastas (Leites et al., 2020; Salles, 2023) com as exigências hollywoodianas, explícitas ou implícitas, de adesão ao seu discurso geopolítico americanista. Esse esforço de pesquisa, a meu ver, poderia organizar-se em torno a dois vetores metodológicos. Um primeiro vetor buscaria compreender como se estrutura, em termos ideológicos e culturais, tal discurso americanista de Hollywood. Particularmente, proponho sua descrição e análise decompondo-o em dois grandes eixos discursivos centrais: suas representações, construções e figurações, respectivamente, da americanidade e da estrangeiridade – ambas assentadas na ideologia e mitologia do chamado “excepcionalismo americano” (p. ex., Pease, 2009). Em minha perspectiva, mesmo os filmes mais críticos ao imperialismo americano ou a outros aspectos da sociedade estadunidense reproduzem e reescrevem, via de regra, essa ideologia excepcionalista. Já em um segundo vetor, sugiro a construção de uma metodologia para análise tanto do pensamento desses cineastas a respeito do problema, quanto da dinâmica dos processos de criação dos produtos em que trabalham – metodologia que passa pela análise não apenas de suas manifestações públicas e junto à equipe, como dos próprios textos audiovisuais realizados.
Bibliografia
- DITTMER, Jason. Captain America and the nationalist superhero: Metaphors, narratives, and geopolitics. Filadélfia: Temple University Press, 2013.
LEITES, Bruno; BAGGIO, Eduardo Tulio; CARVALHO, Marcelo. Fazer a teoria do cinema a partir de cineastas – entrevista com Manuela Penafria. Intexto, Porto Alegre, n. 48, p. 6–21, 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/article/view/97857
PEASE, Donald. The new American exceptionalism. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2009.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica de processos e teoria de cineastas. In: SCANSANI, Andréa C.; MELLO, Jamer Guterres de (orgs.). Por uma teoria compartilhada: ideias, processos e práticas de cineastas [recurso eletrônico]. Cachoeirinha: Fi, 2023. (pp. 87-116). Disponível em: https://www.editorafi.org/ebook/a053-por-teoria-compartilhada
TODD, Emmanuel. La défaite de l’Occident. Paris: Gallimard, 2024.