Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    KENIA KALYNE GOMES DE ALMEIDA (UFRN)

Minicurrículo

    Kenia Kalyne Gomes de Almeida é pesquisadora, realizadora audiovisual e professora. Graduada em Comunicação Social pela UFPB, mestre em Literatura e Interculturalidade pela UEPB e doutoranda em Estudos da Mídia na UFRN. Dirigiu cinco curtas e um longa-metragem. Sua pesquisa e criação têm foco em narrativas do universo feminino, cinema e território e corpo em tela.

Ficha do Trabalho

Título

    CINEMA DE LUGAR E AS COMPLEXIDADES DAS AFETIVIDADES EM TELA E FORA DE TELA

Resumo

    A partir da noção de afetividade de Tuan (1993; 2012), este estudo investiga o Cinema de lugar como mais uma possibilidade de construção e expressão simbólicas entre sujeito e o espaço geográfico. Quando a narrativa é conduzida pela comunidade, emergem processos e formas fílmicas que respeitam agendas locais. Compreende-se que um filme de lugar deve ocorrer como diálogo entre pares, como posição decolonial (Dussel, 2016), como prática contra-colonial e de memória (Santos, 2015; 2020).

Resumo expandido

    Este estudo é fruto da pesquisa em andamento da tese de doutorado intitulada, provisoriamente, Cinema de lugar: a importância das afetividades espaciais para a construção de narrativas inscritas, na qual me debruço sobre a tríade sujeito, lugar e afetividades.
    A primeira hipótese da presente pesquisa parte da observação de produções realizadas a partir dos chamados espaços conscientes. Ao produzir um cinema consciente a partir do lugar, a detenção da narrativa pela própria comunidade permite uma negociação simbólica que respeita o território e seus agentes. Essas negociações partem diretamente de suas agendas e, consequentemente, promovem representações mais coerentes com as dinâmicas sociais e culturais do lugar. Assim, o resultado do processo — a materialidade fílmica, ou seja, a obra projetada diante de um público, seja como retorno à própria comunidade ou através das redes de comunicação online — reforça a afirmação identitária e estratégias sensíveis e práticas contra estereótipos externos. Trago para análise três obras filmadas no território ribeirinho Porto do Capim, em João Pessoa: Aponta pra fé – ou todas as músicas da minha vida (2020), Cumadre Fulozinha (2020), Miami-Cuba (2021). Em 2016, iniciamos o projeto Aponta pra fé na comunidade ribeirinha Porto do Capim. Durante anos de vivência nesse território, percebeu-se um fenômeno: a produção de filmes que emergem “de dentro para dentro” e, posteriormente, “de dentro para fora”. Esse processo remete à ideia de diálogo interno, ou diálogo Sul-Sul (Dussel, 2016), no qual os sujeitos se reconhecem e se fortalecem entre si antes de projetarem suas vozes para o exterior. Como conclusão provisória, percebo que o Cinema de lugar é, sobretudo, a relação construída dentro e fora de tela. Nesse sentido, Brasil e Belisário (2016) discutem a produção e os processos de fazer filmes em territórios indígenas, abordando tanto o que está dentro da obra fílmica quanto o que permanece fora dela — especialmente no que se refere às subjetividades dos sujeitos e aos deslocamentos simbólicos possíveis. Para a pesquisa sobre Cinema de lugar, essa relação diz respeito aos sentimentos de apego dos sujeitos ao ambiente, de forma que esse vínculo seja eficaz e identitário a ponto de extrapolar o limite da tela.
    Do grego topus (“lugar”) e filo (“amor, amizade, afinidade”), nota-se que a comunidade Porto do Capim é um exemplo de experiência cinematográfica que, sem a noção de lugar, não existiria. São, portanto, contra-narrativas audiovisuais construídas a partir do “lar”. A partir de Antonio Bispo dos Santos, insiro a perspectiva das localidades tradicionais como estratégias de contra-colonização “em defesa dos territórios” (Santos, 2015, p. 47) e em luta pela continuidade histórica. Essa luta inclui, além do espaço físico, a preservação e ressignificação de símbolos, modos de vida e cosmologias. Podemos refletir que a preservação dos modos de vida está diretamente relacionada à permanência da memória, dos laços, dos afetos e, consequentemente, das próprias existências. Nesse sentido, a relação entre espaço e lugar, mediada pela experiência humana, envolve dimensões afetivas e perceptivas que contribuem para a construção de significados espaciais e para a continuidade histórica. Conclui-se que um filme de lugar é aquele em que o território e espaço afetivo se sobrepõem à obra e, ao mesmo tempo, potencializa a criação fílmica a partir de três pilares: o processo de construção da narrativa, as agendas e negociações do lugar e a circulação da obra, antes de tudo, em seu próprio espaço geográfico e simbólico — como uma espécie de devolutiva afetiva e de fortalecimento identitário.

Bibliografia

    BRASIL, André; BELISÁRIO, Bernard. Desmanchar o cinema: variações do fora-de-campo em filmes indígenas. Ociol. Antropol., Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, p. 601–634, dez. 2016.
    DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão. São Paulo: Loyola, 2016.
    SANTOS, Antônio Bispo. Colonização, Quilombo: modos e significados. Brasília: INCTI; UnB; INCT; CNPq; MCTI, 2015.
    SANTOS, Antonio Bispo. Somos da terra. Piseagrama, Belo Horizonte, n. 12, 2018. Disponível em: https://piseagrama.org/somos-da-terra/. Acesso em: 2 out. 2020
    TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.
    TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Londrina, EDUEL, 2012