Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Bogado (UFRJ)
Minicurrículo
- Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2023), mesma instituição na qual foi professora substituta de cinema (2023-2024). Tem publicações em revistas de crítica, catálogos de mostras, livros e artigos acadêmicos sobre processos de criação no cinema brasileiro contemporâneo, epistemoogias feministas e produção de crítica cinematográfica. Escreve a newsletter CAIXA LIVRE (https://caixalivre.substack.com/ )
Ficha do Trabalho
Título
- Darks Miranda e Guerreiro do Divino Amor: arqueólogos entre o excesso e as super ficções midiáticas.
Resumo
- Guerreiro do Divino Amor e Darks Miranda destacam-se por produzirem estéticas inventivas ao radicalizam procedimentos de criação banalizados nos ambientes digitais. Ambos utilizam arquivos midiáticos encontrados na internet para relfetir sobre processos de exploração presentes na estrutura dos tecidos urbanos e nos modos de utilização das tecnologias contemporâneas. Pretende-se investigar como constituem uma pedagogia na articulação dos arquivos por meio da montagem, efeitos digitais e texto.
Resumo expandido
- Darks Miranda e Guerreiro do Divino Amor destacam-se no cenário da arte e do cinema brasileiro contemporâneo ao produzir uma estética capaz de constituir paisagens digitais não naturalistas que radicalizam procedimentos de criação banalizados nas redes sociais. Os filmes Super Rio (2015) e Cristalização de Brasília (2019), de Guerreiro constituem a série “Superficções” na qual o artista faz um “Atlas superficcional mundial”. Seu atlas, mais do que mapear cidades existentes, mapeia as ficções que surgem dos registros midiáticos das mesmas. Já Darks, no filme Celularrr (2021), mais do comentar o impacto do uso dos celulares na sociedade, age como uma arqueóloga das mídias e compõe o seu filme com registros de reportagens e vídeos amadores que desde os anos 1990 comentam os impactos desta tecnologia na vida humana. Os filmes de ambos contam com apresentadores que fazem pastiche do gênero jornalístico e comentam os arquivos com um misto de humor aguçado e articulações teóricas. Seus curtas demonstram – com sedução imagética e distanciamento crítico – os processos de exploração presentes nos modos de estruturar as cidades e no uso das tecnologias contemporâneas. Mesmo que por via do deboche, há uma tentativa de estabelecer alguma pedagogia com os arquivos utilizados.
No livro “Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão” (2021), Paula Sibilia demonstra como os princípios basilares da formação de uma subjetividade pedagógica vem sendo bruscamente substituídos por uma “subjetividade midiática”. O dispositivo pedagógico, em molde moderno, determina de modo estável quem transmite e quem recebe o saber, que é constituído de modo cumulativo, com bases menos perecíveis e calcadas na ruminação de textos escritos por fontes confiáveis. Já a circulação midiática privilegia o fluxo veloz da informação, que é “instantânea e múltipla, não responde a organizações hierárquicas pré-estabelecidas” (2021, p.116). No regime midiático, o ato hesitante de refletir tende a impedir o fluxo conectivo. Mais do que representar conteúdos como mediações para a produção de pensamento e experiência, a informação exige operações conectivas. A realização de imperativos como “compartilhar”, “curtir”, entre outros, cria um ambiente de operações em geral automatizadas, que suplantam a necessidade (ou mesmo a possibilidade) do diálogo crítico. Os filmes de Darks e Guerreiro nos convidam a pensar sobre essa automatização das operações ao levar as mesmas a um exagero absoluto. O modo hiper veloz e cheio de ruídos como articulam arquivos midiáticos por meio de procedimentos de montagem, efeitos digitais e o uso da voz ao mesmo tempo crítica e debochada cria um distanciamento paradoxal. Suas estéticas imergem de forma tão aguda nesse regime de atenção de uma “subjetividade midiática” (Sibilia, 2012) que chegam a causar estranhamento.
Hal Foster (2021), demonstra como precisamos de novos parâmetros de análise para conceber o pensamento crítico nos ambientes digitais. Na era da reprodução mecânica da imagem, ainda se conta com a força dos referentes da realidade a serem documentados, manejados e reproduzidos em massa; já na era da replicação digital e distribuição viral, a imagem modela a própria realidade. Antes, notava-se uma distância da agência do sujeito, podendo quase alienar-se da produção da imagem cada vez mais automatizada. Hoje, operações de processamento e informação automáticas produzem uma cultura visual capaz de gerar corpos e paisagens sem depender de qualquer referente externo ou sequer um clique humano. Não se trata do risco da alienação do sujeito, mas de sua supressão mesmo. Nesse contexto, como inserir a voz crítica que institui uma subjetividade ao conceber a imagem e nos interpela enquanto espectadores, que desejam produzir uma resposta também crítica? Os filmes de Darks e Guerreiro são um convite para refletirmos sobre a constituição de uma pedagogia dos arquivos em ambientes digitais, marcados pelo excesso e fragmentação das fontes.
Bibliografia
- FOSTER, Hal. O que vem depois da farsa? São Paulo: Ubu Editora, 2021, p.11.
GILROY, P. (2018). Civilizacionismo, a “alt-right” e o futuro da política antirracista: um informe da Grã-Bretanha. Revista Eco-Pós, 21(3), 17–34. Disponível em: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v21i3.22525. Acesso em 18 ago 2024.
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.
MACHADO, Patricia. “Do Arquivo à montagem uma análise da produção e usos de imagens públicas e domésticas dos anos da ditadura militar no Brasil”. Revista Estudos Históricos (FGV), v. 36 n.79: Arquivos Pessoais: debates contemporâneos, 2023.
MONDZAIN, Marie-José. Homo Spectator Ver Fazer Ver. Lisboa: Orfeu Negro, setembro de 2015.
SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
XAVIER, Ismail. Um cinema que educa é um cinema que (nos) faz pensar. Entrevista. Educação e Realidade: Dossiê Cinema e Educação, Porto Alegre, v.33, n.1, 2008.