Ficha do Proponente
Proponente
- Juliana Santoros Miranda (UAM)
Minicurrículo
- Juliana Santoros Miranda é fotógrafa, jornalista graduada pela Universidade Anhembi Morumbi, mestra e doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM/UAM. Estuda Oriente Médio e Comunicação desde 2017 e é solidária à questão curda. Pesquisa a representação do povo curdo em coberturas da comunicação e produções audiovisuais e integra os grupos “Imagens em Conflito: Estética e Política no Cinema do Oriente Médio” (UAM) e “Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar em Estudos Curdos” (PUC-MG).
Ficha do Trabalho
Título
- Migração e memória curda: reflexões e análises a partir do documentário “Vidas (ou)vidas – Yusuf”
Resumo
- Em um contexto sociopolítico de solidariedade à questão curda, proponho investigar o documentário “Vidas (ou)vidas – Yusuf” (2024, Luís Evo), o primeiro sobre um imigrante curdo no Brasil. Pretendo entrevistar o diretor sobre o processo de produção. Este estudo busca explorar a construção da memória e identidade curda no audiovisual, dialogando também com os estereótipos de representação apenas como soldados de batalha, considerando a ausência do curdo de “vida comum” em tais produções.
Resumo expandido
- “O nosso lugar ou a nossa pátria é onde temos memórias, onde a gente se sente bem, onde podemos compartilhar com pessoas gentis e onde podemos viver bem. Pra mim isso é pátria”, diz o curdo Yusuf. Ao abordar a questão curda, que se concentra no Oriente Médio e na diáspora, é inevitável relacioná-la às lutas populares do próprio continente em que nasci e me encontro, o qual, neste contexto, escolho utilizar o termo Abya Yala. Quando as discussões sobre o tema se desdobram até o seu cerne, concluímos que se trata, de modo geral, da resistência à colonização, à apropriação da terra e ao apagamento cultural de povos originários. Tais como os zapatistas, os aymaras, os quechuas, os mapuches, os guaranis e tantos outros povos originários em países como México, Bolívia, Colômbia, Chile, Argentina e Brasil, os curdos resistem. Embora distantes geograficamente um do outro, povos da América Latina e do Curdistão se assemelham em alguns aspectos, sobretudo os concernentes ao sul global. E como isso está presente no audiovisual?
Após pesquisas, levanto a hipótese de que o documentarista, filmmaker e fundador da Primata Filmes, Luís Evo, lançou, em 2024, o que, até o momento, acredito ser o primeiro filme sobre um imigrante curdo no Brasil: “Vidas (ou)vidas – Yusuf”. Biográfico, o documentário foi realizado via recursos do Edital Público nº 04/2023/SMECEJ -TEC 02/2023 da Lei Paulo Gustavo/Governo Federal, com apoio da Prefeitura Municipal de Esmeraldas -MG. Até agora, o filme foi exibido em duas escolas públicas de Esmeraldas (MG), no bairro de Andiroba, e na Mostra Audiovisual de Esmeraldas. É notável o seu potencial de conexão Brasil-Curdistão, algo que ocorre na web de maneira significativa em termos de material bibliográfico (disponibilizado principalmente via coletivos populares e solidários à causa curda), porém, incomum até então no audiovisual, especificamente. Enquanto exibe passagens de sua vida na Alemanha e no Brasil, em 2022 e 2024, o filme é narrado em off pelo próprio Yusuf e cumpre um papel significativo de representação da existência de muitos curdos: entre migrações, repressões de sua língua e cultura nos países de origem, o internacionalismo e sua nação apátrida.
Outro elemento a ser pontuado sobre a produção é o perfil de personagem (ou ator social) traçado. Geralmente, filmes e documentários sobre os curdos retratam os exércitos populares de batalha e os conflitos geopolíticos em que estão atuando. Tal cenário é parte importante dessa nação, até mesmo pela própria situação de guerra constante dos países hospedeiros com os curdos, porém, já me encontrava em questionamento acerca disso: será que necessariamente todo curdo é um soldado de batalha? Alguém está mostrando os curdos de “vidas comuns”, que não estão combatendo o Estado Islâmico e comandando os cantões auto-organizados? De fato, produções como essas são difíceis de encontrar, embora a nação curda se trate de 30 a 40 milhões de pessoas. Os chamados “peshmergas” costumam ser o foco dos filmes, fotos, notícias e textos sobre o assunto, embora tal povo também tenha um histórico de perfil camponês, de aldeias e montanhas. Pretendo entrevistar o diretor e saber mais sobre a produção.
Busco traçar paralelos entre a construção da memória, sobretudo a coletiva, e da identidade por meio do audiovisual, que pode servir como meio de alteridade e apoio aos conceitos de nação para um povo sem país. Como Marc Ferro reivindicou nos anos 1970: filmes são documentos, pois podemos partir das imagens para analisar criticamente um sistema de significação amplo – entre discursos e narrativas – aos quais elas pertencem. Paul Ricouer (2007), diz que a memória não se trata apenas de uma recordação do passado, mas de um processo de reconstrução e narração e Rancière (2013, p. 179-180) afirma: “em todo lugar onde algo acontece – nascimento ou morte, banalidade ou monstruosidade –, existem imagens, e o dever do cinema é captá-las”, uma citação que expressa o que busco nesta pesquisa.
Bibliografia
- FERRO, Marc. Cinema e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos, 5 (10). Rio de Janeiro, 1992. p. 200-212.
RANCIÈRE, Jacques. A fábula cinematográfica. Campinas: Papirus, 2013.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1977.
SCHÄFERS, Marlene. Projecting a Body Politic: Photographs, Time, and Immortality in the Kurdish Movement. George Washington University Institute for Ethnographic Research: Anthropological Quarterly, vol. 96, n. 2, 2023. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/900188. Acesso em 6 de abril de 2025.
SCHØLHAMMER, Karl Erik. Realismo afetivo: evocar realidade além da representação. In: Cena do crime -violência e realismo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2013.