Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Emilio Gonzalez Diez Junior (USP)

Minicurrículo

    Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (bolsista CAPES), onde defendeu a dissertação “Paraísos Infernais: figurações do fracasso em Glauber Rocha e Rogério Sganzerla”(2024).

Ficha do Trabalho

Título

    Pistoleiros e artistas: Johnny Guitar, Dragão e a cultura popular

Eixo Temático

    ET 4 – HISTÓRIA E POLÍTICA NO CINEMA E AUDIOVISUAL DAS AMÉRICAS LATINAS E DOS BRASIS

Resumo

    O presente trabalho discute como Glauber Rocha, em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), trava um debate com o Johnny Guitar (1954). Analisaremos como o diretor baiano inverte a perspectiva do filme de Nicholas Ray para contrapor a valorização da cultura urbana em detrimento da arcaica.

Resumo expandido

    Há em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969) um tratamento muito diverso da figura do cangaceiro em relação à Deus e o Diabo na terra do sol (1964). A própria existência dessa figura naquele momento é já motivo suficiente para que Antônio das Mortes abandone sua aposentadoria para ver com seus próprios olhos “se ainda existe cangaceiro”. Sua autenticidade é contestada pelo Coronel Horácio que vê Coirana como “puro teatro”. Não há, naquele que se autointitula como herdeiro de Lampião, os elementos de força e ação presentes nos cangaceiros de outrora, trata-se de uma figura de transição. O filme marca um momento onde a cultura passa gradativamente à ocupar o protagonismo perante o processo civilizacional. Esse elemento, chave para o filme de 1969, funciona como uma grande ponte para a confrontação que desejamos empreender com Johnny Guitar (1954).
    No filme de Nicholas Ray, o pistoleiro que dá nome ao filme tenta abandonar sua vida pregressa de “gun crazy” e media o conflito inicial no saloon apenas com seu violão. Vienna, com seu piano, posterga a ira dos que tentam encontrar os culpados do assalto ao banco de Emma. Mesmo sendo impossível naquele ponto da história, os protagonistas de Johnny Guittar tentam a todo momento utilizar da arte em substituição à força. Nesse sentido, fica patente a alegoria da cultura como elemento que prepara o caminho à civilização: antes da ferrovia é o Saloon de Vienna que se estabelece para combater o arcaico.
    Em Dragão, a força é um elemento utilizado de forma reativa. A pureza do grupo liderado pela Santa, Coirana e Antão tem a prerrogativa da justiça da história. A força e a luta de seus ancestrais não foram perdidas, mas emanam de outras formas. Antes do embate com Antônio das Mortes, o grupo, em sua passagem por Jardim das Piranhas, se limitou a manifestação através do canto e da dança. A força só foi utilizada quando o carrasco de Corisco e Lampião coloca Coirana em situação onde o combate suicida é inevitável. A população, no alto das montanhas, canta até os últimos momentos e não revida ao ataque derradeiro de Mata Vaca e seus jagunços. Inscrito nas pedras a frase “nada como um dia depois do outro” é o provérbio que parece justificar tal comportamento, certo de que as forças que emanam do povo não podem desaparecer enquanto seus mitos se mantiverem vivos.
    Há na intensificação do valor da cultura nas duas obras uma forma de resposta a censura artística de seus períodos: o controle da House Committee on Un-American Activities (HCUA) nos Estados Unidos e o aprofundamento da repressão no Brasil com o AI-5. Em ambos os filmes, uma modernização que se apresenta como inevitável; seja pela linha férrea que passará em frente ao saloon de Vienna, seja pelo caminhões que trafegam na estrada à beira de Jardim das Piranhas. Os filmes, no entanto, articulam de forma muito diferente a valoração entre o arcaico e o moderno. Enquanto em Johnny Guitar, Ray vê no arcaico a consolidação de todos os conservadorismos e atrasos da sociedade americana, em Dragão, Glauber não vê com bons olhos a modernidade que se projeta em Jardim das Piranhas e contrapõe a dignidade da população arcaica liderada pela Santa e por Coirana às figuras cheias de vícios vindas da capital. Como aponta Ismail Xavier, Glauber trabalha a articulação entre o arcaico e o moderno de maneira oposta à da tropicalista. Para ele, é a dignidade do arcaico que desautoriza o moderno (XAVIER, 2013, p. 319).
    As relações entre os filmes não param por aí, há também uma série de aproximações visuais e de enredo que poderiam ainda ser destacadas. Não seriam as cores saturadas das peças de roupas de Dragão, que marcam tão profundamente as cores do filme (e que geram o apelido de Tropicolor), uma forma de dialogar com o a cor de Johnny Guitar, em que Ray intensifica as deficiências do processo de cor do Truecolor para gerar um resultado estético capaz de embaralhar as convenções do gênero? Elucidar essas relações é o objetivo deste trabalho.

Bibliografia

    BENTES, Ivana (org.) Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das letras, 1997.
    PETERSON, Jennifer. The Competing Tunes of “Johnny Guitar”: Liberalism, Sexuality, Masquerade. Cinema Journal Vol. 35, n. 3, p. 3-18, Austin: University of Texas Press, Primavera 1996.
    ROCHA, Glauber. O Século do Cinema. São Paulo: Cosac Naif, 2006
    _______________ Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naif, 2004
    SIMMON, Scott. The invention of the western film: a cultural history of the genre first half century. Cambridge: Cambrigde University Press, 2003.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. São Paulo: Cosac Naif, 2012.
    ______________ O Cinema brasileiro Moderno. 2ª Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
    ______________ Sertão Mar: Glauber Rocha e a Estética da fome. 2ª Edição. São Paulo: Cosac Naif, 2007.
    ______________ John Ford e os heróis da transição no imaginário do western. Novos Estudos. São Paulo, n. 100 volume 33, p. 171-192. Novembro 2014.