Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Isaac Pipano Alcantarilla (Unifor)

Minicurrículo

    Professor e pesquisador na interface entre a educação, audiovisual e tecnologias. Coordenador de Pesquisa e Inovação da Escola Porto Iracema das Artes e professor do bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza (Unifor). Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, com bolsa sanduíche na Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Especialista em Computação Aplicada à Educação e Tecnologias Educacionais (ICMC-USP).

Ficha do Trabalho

Título

    Processos de individuação e criação audiovisual territorializada

Mesa

    Territórios sensíveis: cosmologias, corpos e encruzilhadas audiovisuais

Resumo

    Esta comunicação propõe uma reflexão sobre a pedagogia do cinema centrada na criação audiovisual como processo de territorialização e desterritorialização. Por meio da análise de experiências pedagógicas vivenciadas na escola Porto Iracema das Artes, um equipamento público do governo do estado do Ceará, apresentamos práticas sensíveis que rompem com o regime da representação e afirmam novas composições entre o mundo vivido e o mundo-imagem.

Resumo expandido

    O presente trabalho promove uma abordagem crítica da pedagogia do cinema e da montagem. Para tanto, questiona paradigmas tradicionais centrados na figura autoral e na representação como regime exclusivo para a criação audiovisual em contextos educativos. O estudo investiga a criação audiovisual como processo eminentemente transindividual, coletivo e aberto ao imprevisível, desafiando a concepção convencional que limita tal processo ao produto finalizado e à centralidade autoral.
    Em contraposição às abordagens que se solidificaram no Brasil na última década, na esteira da Hipótese-Cinema formulada por Alain Bergala (2001), portanto, este trabalho procura assumir outra perspectiva, em busca da superação da centralidade do objeto-filme como finalidade do processo audiovisual educativo. Neste sentido, retomamos algumas ideias levantadas em estudos recentes (ALVARENGA; MIGLIORIN; PIPANO; JARDIM) que, em comum, se furtam ao regime “oculocêntrico” e à lógica autoral dominante, destacando que tal enfoque restringe significativamente a multiplicidade e a heterogeneidade das experiências cinematográficas possíveis. Em busca de gestos desviantes, propomos uma prática audiovisual não-universalizante, singular e territorializada. Para tanto, nos apoiamos em três operadores conceituais: camerar; ponto de ver e composicionar.
    “Camerar”, conceito inventado por Fernand Deligny, define-se como o ato de capturar imagens respeitando aquilo que escapa à domesticação simbólica da linguagem, privilegiando sua materialidade em detrimento de seus significados. Diferentemente do termo “filmar”, que sugere a predominância do produto final, “camerar” implica um gesto aberto, mais próximo a um “esbarrão” com o mundo do que propriamente a ordenação de um plano. Nesse sentido, o “ponto de ver” substitui o tradicional ponto de vista por permitir uma abertura relacional à multiplicidade de perspectiva. Ao deslocar o foco do olhar unívoco do sujeito para a experiência descentralizada do corpo em interação contínua com seu entorno, como uma miríade de perspectivas transindividuais, sugerimos uma ênfase nos processos de individuação que não se totalizam na imagem como expressão do ser. “Composicionar”, por sua vez, propõe uma criação integrada de imagens e sons, envolvendo todos os sentidos corporais, não se limitando ao regime visual dominante. Essa prática ressalta a importância de uma abordagem não essencialista, provisória e geopoliticamente situada do audiovisual.
    Nessa perspectiva pedagógica, o conceito de montagem adquire centralidade como dimensão criadora, para além dos predicados tecnicizantes. Se o problema da montagem se refere sempre à escolha que induzirá um interstício entre duas imagens, o que se estabelece é uma dinâmica de diferenciação produtiva, jamais encerrada num objeto-fim, mesmo quando o filme termina na ilha de edição ou projetado na tela. Desta forma, a montagem atua pedagogicamente criando condições para um pensamento que se force na relação entre as imagens e sons que, por sua vez, dobram o pensamento ao fazê-lo pensar. Tal relação promove uma experiência semelhante ao que informa Simondon (2020a, p. 76) ao convocar um “indivíduo individuante” sempre em processo de amplificação das singularidades.
    Tais reflexões estão ancoradas na análise dos projetos “[des]enquadrar” e “aBarca – formação em artes para a juventude”, gestados na escola Porto Iracema das Artes (KARDOSO; PIPANO). Neles, a formação audiovisual está fortemente vinculada às realidades específicas de territórios diversos e articula cartografias, memórias, aparatos e processos subjetivos. Os movimentos de territorialização e desterritorialização que emergem nas práticas audiovisuais apontam para modos de resistência ativos em face à monocultura audiovisual e suas estruturas totalizantes.

Bibliografia

    ALVARENGA, Clarisse (org.). Aprender com imagens: práticas audiovisuais em escolas da Região Metropolitana de Belo Horizonte e da Terra Indígena Xakriabá. Belo Horizonte: LAPA (Coleção Cinema e Educação), 2022.
    JARDIM, Gustavo. A imagem emaranhada: territórios e singularidades em cinema e educação. Editora Multifoco: Rio de Janeiro, 2023.
    SIMONDON, Gilbert. A individuação à luz das noções de forma e informação. São Paulo: Editora 34, 2020.
    MIGLIORIN, Cezar. Cinema e clínica: a criação em processos subjetivos e artísticos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2022.
    PIPANO, Isaac. Isso que não se vê: teorias para cinemas e educações. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2023.
    ______.; KARDOSO, Felipe. “Da técnica aos territórios audiovisuais: modos de fabulação com imagens e sons”. In: Elisabete Jaguaribe, Isaac Pipano. (Org.). Pedagogias da Porto Iracema: poéticas e políticas de formação em artes no Ceará. 1ed.Fortaleza: Instituto Dragão do Mar, 2023, v. 1, p. 93-102.