Ficha do Proponente
Proponente
- Janaína Oliveira (IFRJ / FICINE)
Minicurrículo
- Janaína Oliveira é pesquisadora e curadora de cinema. Professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e consultora da JustFilms – Fundação Ford. É doutora em História e foi Fulbright Visiting Scholar no Centro n a Universidade Howard nos EUA. Atualmente integra os Comitês de Seleção do BlackStar Film Festival (EUA), do FESPACO (Burkina Faso), do Festival de Brasília e da Mostra de Cinema de Gostoso, além de integrar o conselho curatorial do Criterion Channel.
Ficha do Trabalho
Título
- “Flaherty Black”: Pearl Bowser e as práticas curatoriais negras
Seminário
- (Re)existências negras e africanas no audiovisual: epistemes, fabulações e experiências
Resumo
- Nascida no Harlem, Pearl Bowser foi uma figura fundamental para a história dos cinemas negros e africanos. Pioneira em iniciativas curatoriais contra-hegemônicas nos EUA, em duas ocasiões ela realizou a programação do Flaherty Film Seminar: a primeira em 1975 e a segunda em 1989, ambas as vezes com obras de cineastas não-brancos. O trabalho investiga o trabalho curatorial de Bowser no contexto do Seminário para pensar as relações entre curadoria e negridade no mundo das imagens em movimento.
Resumo expandido
- Nascida no Harlem, Pearl Bowser foi uma figura fundamental para os cinemas negros e africanos. Célebre estudiosa de cinema e arquivista, cineasta e distribuidora, sua trajetória é marcada pela defesa ferrenha do cinema independente e dos cineastas negros. É de Bowser, por exemplo, a pesquisa extensa que traz à tona os detalhes da produção de Oscar Micheaux, pioneiro do cinema negro, e de outros integrantes da geração dos Race Movies.
No início dos anos 1970, ela começa suas atividades de curadoria em cinema quando cria festival Black Film History Series, na qual expandia as fronteiras dos cinemas negros para além dos Estados Unidos. Em duas ocasiões Bowser realizou a curadoria do Flaherty Film Seminar em Nova Iorque. A primeira foi em 1975 quando realizou o Flaherty Black and Third World Filmmakers Mini-Seminar, em parceria com a cineasta Madeline Anderson. Como o nome diz foi uma experiência reduzida do Seminário tradicional. A segunda foi em 1989, quando trabalhou com o também cineasta Grant Munro, expandindo a proposta do mini-seminário de 1989. Esse Seminário apresentou os trabalhos de cineastas americanos negros que se tornariam figuras importantes na história do cinema independente: Ayoka Chenzira, Julie Dash, Henry Hampton, Louis Massiah, Jacqueline Shearer e Orlando Bagwell. E, pela primeira vez, a programação apresentou muitos trabalhos da África, incluindo Olley Maruma (Zimbábue), Check Oumar Sissoko (Mali), Gaston Kaboré (Burkina Faso) e Oliver Schmitz (África do Sul). Da Inglaterra participaram John Akomfrah e Pratibha Parmar. Philip Mallory Jones, Trinh T. Minh-há e Lynne Sachs também integraram a lista dos artistas naquele ano.
A edição de 1989 foi histórica e congregou um público até então inédito para o Seminário como a própria Bowser afirma: “O tema do seminário sobre culturas e histórias do Terceiro Mundo atraiu cineastas, programadores e educadores africanos e da diáspora africana em número recorde (talvez o maior encontro em um Seminário Flaherty que qualquer um de nós possa se lembrar).” (Zimmerman, MacDonald, 2017, p. 159). Até aquele momento, o público do Seminário que em 2025 completa 70 anos, era constituído em maioria por pessoas brancas e provenientes da costa leste dos EUA. Os relatos dos debates narram conflitos e tensões, que em diversos momentos se mostraram incontornáveis.
Criado por Francis Flaherty, cviúva e colaboradora do celebrado documentarista estadunidense Robert Flaherty, o Seminário não é um evento acadêmico, apesar do nome e da intenção pedagógica presente no início da sua história. Trata-se de uma experiência de imersão cinematográfica. Pensado como um fórum colaborativo voltado para obras independentes, o Seminário Flaherty se consolidou ao longo dos anos com um lugar de excelência nos circuitos hegemônicos de reflexão sobre o cinema, sobretudo, no que diz respeito aos processos curatoriais.
Durante uma semana de verão no hemisfério norte, artistas, cineastas, curadores, críticos, acadêmicos e amantes da cultura fílmica em geral se isolam em um campus universitário esvaziado de estudantes regulares, assistindo filmes e participando de debates em média três vezes ao dia. Como as conversas são partes essenciais do Seminário, a presença dos artistas convidados é praticamente uma condição sine qua non. Somente as obras do próprio Robert Flaherty, que tradicionalmente tem pelo menos um filme escolhido pela curadoria, constituem uma exceção constante.
O presente trabalho investiga o trabalho curatorial de Bowser com ênfase no contexto do Seminário Flaherty para pensar as relações entre curadoria e experiências negras (negridade / Blackness) no mundo das imagens em movimento. Pretende ainda refletir sobre questões epistemológicas que permeiam o campo contemporâneo da curadoria em cinema aliada ao debate sobre culturas fílmicas não hegemônicas, a partir da experiência de outros curadores negros, negras e indígenas que estiveram a frente da programação do Seminário de 2018 em diante.
Bibliografia
- BOWSER, PEARL. “The Boom is Really an Echo.” Black Creation IV (Winter 1973): 32-35.
CESAR, A., MARQUES, A. R., PIMENTA, F., COSTA, L., eds. Desaguar em cinema: documentário, memória e ação com o CachoeiraDoc [online]. Salvador: EDUFBA, 2022.
ROWELL, Charles Henry, MOTEN, Fred. “Words Don’t Go There”: An Interview with Fred Moten”. Callaloo, Vol. 27, No. 4, Contemporary African-American Poetry: A New Wave (Autumn, 2004), pp. 954-966.
SHAMBU, Girish. “For a new cinephilia”. Film Quarterly, Spring 2019, Volume 72, Number 3.
OLIVEIRA, Janaína. “Sobre Opacidade e Cultura Fílmica”. In ALMEIDA, Ana Caroline, CASSEL, Dessane Lopez. Opacity. The 66th Flaherty Film Seminar Catalog. NY: Flaherty Seminar, 2022.
ZIMMERMAN, Patricia, MacDONALD, Scott. The Flaherty Decades in the cause of independent cinema. Bloomington: Indiana University Press, 2017.