Ficha do Proponente
Proponente
- Simplicio Neto Ramos de Sousa (ESPM-Rio)
Minicurrículo
- Diretor e Roteirista de documentários como “Onde a Coruja Dorme” e “Carioca era um Rio”. Bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ, Mestre e Doutor em Comunicação pelo PPGCOM-UFF. Pesquisa o realismo no cinema brasileiro. Foi Professor Substituto no Dep. de Cinema e Video da UFF, de 2008 a 2010. Hoje é Professor Assistente I do Curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-Rio. Curador e Editor de Catálogo de Mostras nos CCBBs, como “Cineastas e Imagens do Povo” e “Os múltiplos lugares de Roberto Farias”
Ficha do Trabalho
Título
- Humberto Mauro em stop motion: alegoria pedagógica e cinema educativo fantástico
Resumo
- Análise de “Jonjoca, o dragãozinho manso” (1942), de Humberto Mauro, a “primeira animação com manipulação de bonecos”, o “primeiro filme produzido para o público infantil” no país (COSTA, 2023; MORENO, 1978; NEUSTERIUK, 2011). Mauro é visto como “pioneiro” do “realismo poético” e do “cinema de autor” desde o Cinema Novo (ROCHA, 2003). Porém a obra não é citada nessa “canonização”. Como ela tensiona o debate entre realismo, fantasia, maravilhoso, cinema de gênero, alegoria e identidade nacional?
Resumo expandido
- Este trabalho propõe uma análise de “Jonjoca, o dragãozinho manso” (1942), de Humberto Mauro, “primeiro filme produzido para o público infantil no Brasil”, segundo alguns estudiosos, tanto do cinema de animação, quanto do cinema educativo no Brasil (COSTA, 2023; MORENO, 1978). Tal análise nos ajudará a levantar algumas questões que julgamos importantes para a História do Cinema Brasileiro, sua política e sua linguagem, como, para começar: por que, apesar de Humberto Mauro ser “um dos mais importantes nomes do cinema brasileiro”, parte do “cânone”, da “Historiografia Clássica” deste mesmo cinema (BERNARDET,1995), e de ter feito, com “Jonjoca”, a “primeira animação com manipulação de bonecos em tempo real realizada no país”, tal obra, também considerada “a primeira destinada ao público infantil, não é considerada importante na carreira de Humberto Mauro e é pouco vista e conhecida” (NESTERIUK, 2011)? Na análise dessa obra única, tanto na carreira do autor, como mesmo na História do Cinema Nacional, levantaremos algumas outras questões. São perceptíveis, por exemplo, no discurso de relevantes cineastas brasileiros, como aqueles, bastante vocais, do Cinema Novo. Caso de Glauber Rocha, um dos que garantiram essa “entronização” de Mauro, em obras como sua “Revisão Crítica do Cinema Brasileiro”, de 1963. Já em nossa tese de doutoramento, sobre o Debate do Realismo no discurso de nossos realizadores, contribuindo para uma “Teoria dos Cineastas” local, demonstramos haver uma controvérsia clara no nosso Cinema Moderno, entre o “realismo crítico” de G. Lukács, na fase da “estética da fome”, e a “amplitude e variedade da representação realista” que previa B.Brecht, na “fase alegórica”, da “estética do sonho”, no final dos anos 60 (POSADA, 1970). É quando se abre espaço para o uso, e abuso, da “alegoria pedagógica” nos filmes do Cinema Novo, e do Cinema Marginal também, como estudou Ismail Xavier (XAVIER, 2012). Aqui, nos debates dos cinemanovistas em que Mauro aparece como nosso primeiro “auteur” (BERNARDET, 1994), houve um apagamento da vasta obra desse “autor” feita no seu período “institucional”, no Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) de Roquete Pinto. Por conta de questões políticas, relacionadas ao seu papel, incômodo, como o “Câmera de Vargas” em plena Ditadura do Estado Novo. É a época e o contexto de produção do “Dragãozinho Manso”, aliás (MORETTIN, 2013; SCHVARZMAN, 2004). Daí, tentaremos levantar a hipótese de que houve um outro específico apagamento, o de “Jonjoca”, por ser uma animação, voltada para o gênero infanto-juvenil, de enredo fantástico, ou maravilhoso (TODOROV, 2000). O que não caberia na visão de Mauro como o pioneiro de um “realismo poético”, da representação da “paisagem” nacional e do “homem brasileiro”, e de suas questões sociais (ROCHA, 2003). Um deslize pró-fantástico e anti-realista, na contramão de nossa tradição maior de “documentalidade” (GABRIELLI, 2002). Contudo, em nossa análise, poderemos até realçar o aspecto de “pioneirismo” técnico e estético de Mauro. Só que, dessa vez, na criação de uma animação educativa “fantasista”, em condições, mais uma vez, precárias, “armado apenas de coragem” como escrevera Glauber sobre a fase de Cataguazes, ao praticar o stop-motion nas dependências do INCE. Analisando o enredo do curta, também se anteveria uma pioneira “alegoria pedagógica”, nos moldes da “estética do sonho”? E será que, para além do mal-estar com o Estado Novo, não se poderia ter percebido algum aspecto de subversão na obra? Visto que, dois dos principais colaboradores do filme, o poeta autor do texto fonte Odylo Costa FIlho, e a escritora que atua como a “professorinha” que narra a história, Lucia Benedetti – outra pioneira da ficção infantil -, foram ambos dissidentes perseguidos pelo regime, tendo alguns autores considerado este um dos motivos da obscuridade do curta, que não teria por isso tido um empenho maior de lançamento, e divulgação, na época, pelo próprio INCE (COSTA, 2023)?
Bibliografia
- BERNARDET, J.C. O autor no cinema. SP: Brasiliense, 1994.
___. Historiografia clássica do cinema brasileiro. SP: Annablume, 1995.
COSTA, G. D. da. Infância, Cinema e Educação: da Escola de Vícios à Escola de Vida (1920 A 1964). 2023. Doutorado – UFSC, Florianópolis, 2023.
GABRIELLI, M. G. O lugar Do Fantastico Na Literatura Brasileira. ITINERÁRIOS, Araraquara, SP, n. 19, p. 25–33, 2002.
MORENO, A. A experiência brasileira do cinema de animação. RJ: Artenova, 1978.
MORETTIN, E. Humberto Mauro, Cinema, História. SP: Alameda, 2013.
NESTERIUK, S. Dramaturgia de serie de animação. SP: Sérgio Nesteriuk, 2011.
POSADA, F. Lukács, Brecht e a situação do realismo socialista. RJ: Ed. Civilização Brasileira, 1970.
ROCHA, G. Revisão crítica do cinema brasileiro. SP: Cosac & Naif. 2003.
SCHVARZMAN, S. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. SP: Ed. UNESP, 2004
TODOROV, T. Introdução a Literatura Fantástica. SP: Perspectiva, 2000.
XAVIER, I. Alegorias do subdesenvolvimento. SP: CosacNaify, 2012.