Ficha do Proponente
Proponente
- Ana Luiza Rocha de Siqueira (UFMG)
Minicurrículo
- Ana Siqueira atua em curadoria, pesquisa e tradução. Doutoranda pela UFMG, coordenadora de programação e curadoria do FestCurtasBH – Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (2013/2014 e desde 2017) e membro, desde 2022, da equipe de seleção de curtas do IDFA (Países Baixos). Foi programadora do Cine Humberto Mauro (2008/2009), curadora do Festival SACI (2011 – 2017) e atuou na seleção de festivais e mostras de cinema, como forumdoc.bh e Mostra de Cinema de Tiradentes.
Ficha do Trabalho
Título
- A tarefa da curador(i)a: resistências furtivas e lampejos
Seminário
- Festivais e Mostras de Cinema e Audiovisual
Resumo
- A apresentação parte da minha experiência de 11 edições na direção artística de um festival de cinema realizado no âmbito de uma instituição pública, considerando a curadoria como tradução e mediação entre duas dimensões entrelaçadas – institucional e poética -, que sofrem incidências mútuas. Remetendo à ideia da prática curatorial enquanto labor, busca-se pensar em sua “furtividade” diante dos poderes que buscam exercer controle, capturar, ou mesmo instrumentalizar esta atividade.
Resumo expandido
- A apresentação parte da minha experiência de 11 edições na direção artística de um festival de cinema criado e realizado no âmbito de uma instituição pública, de modo a pensar acerca do caráter público da atividade, com seus constrangimentos institucionais e políticos, mas também suas vantagens em termos de viabilidade e continuidade. Trata-se, aqui, de um trabalho de tradução e mediação entre duas dimensões, que nomearia como institucional e poética, constituindo assim duas frentes entrelaçadas que, no trabalho da curadoria, sofrem incidências mútuas. Nesse contexto, podemos nos perguntar de que formas a dimensão institucional incide na circulação das experiências de linguagem, assim como, inversamente, de que formas as poéticas dos filmes incidem na dinâmica institucional (tal como atuamos nela). E, ainda: como a curadoria maneja esta mútua incidência? Como, atuando em uma instituição pública, a curadoria pode se posicionar, a um só tempo, dentro e fora (ou nas bordas), de modo que, em seus lampejos, experiências de força estética e política possam transformar processos por vir?
Para além da referência evidente ao texto seminal do filósofo Walter Benjamin, o título da proposta remete também à ideia da prática curatorial enquanto tarefa, trabalho, posicionando assim a discussão de curadoria, que se tornou objeto frequente de vivas e necessárias reflexões nos últimos anos, também no campo do labor, lugar no qual as dimensões sociais, históricas, hierárquicas e estéticas encontram modos de enfrentamentos concretos e situados.
Busca-se assim pensar na curadoria como contingência e como possibilidade de resistência a esta, muitas vezes de maneiras furtivas, mas não menos contundentes, diante dos poderes que buscam, de forma mais ou menos direta, exercer controle, capturar, cooptar, influenciar ou mesmo instrumentalizar esta atividade através da autoridade institucional e política, frequentemente por meio da dimensão financeira relacionada à aprovação e captação de recursos.
A “resistência furtiva” diz respeito, neste caso, tanto a esta dimensão prática e institucional com que mostras e festivais irremediavelmente precisam se haver para existir e prosseguir, quanto aos próprios filmes, com suas possibilidades de construir antagonismos e fugas por meio do caráter, de certo modo, inapreensível, mas incisivo, de algumas poéticas. Para melhor pensar esta questão, bebemos da fonte do filósofo franco-centro-africano Dénètem Touam Bona e sua belamente vigorosa discussão sobre a noção de “marronagem”. Para este filósofo, que esteve conosco em uma das edições do festival, a marronagem é “menos uma forma de conquista do que de subtração de poder”, a fuga como “forma de vida e resistência que, longe do frente-à-frente espetacular da revolta heroica, opera da sombra de uma retirada, uma dissolução contínua de si”. Na esteira da ideia de Bona, pensamos também como a curadoria pode se tornar um processo de “subtração do poder”, por meio de seu compartilhamento entre sujeita/os de experiências e contextos diversos, que trazem uma multiplicidade de olhares e sensibilidades potencialmente transformadoras para todo o processo curatorial, culminando em seu resultado sensível expressado de modo mais pleno durante a realização da mostra/festival.
Bibliografia
- BONA, Dénètem Touam. Cosmopoéticas do refúgio. Trad. Milena P. Duchaide. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2020. 80 p.
BENJAMIN, Walter. A tarefa-renúncia do tradutor. In: Castello Branco, L. (Org.) A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: quatro traduções para o português. Trad. Susana Kampff-Lages. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008.