Ficha do Proponente
Proponente
- Milton do Prado Franco Neto (Unisinos)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação Social pela PUCRS, com bolsa parcial da CAPES, e estágio doutoral na Université Paul-Valéry Montpellier 3, com bolsa CAPES-Print. Mestre em Film Studies pela Concordia University e Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela UFRGS. É professor e coordenador do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos, onde ministra disciplinas de montagem, cinema experimental e crítica. É sócio da produtora Rainer Cine, onde atua como montador e produtor.
Ficha do Trabalho
Título
- Lacunas e interrupções: uma comparação da estética da duração em Twin Peaks – O Retorno e La Flor
Resumo
- Esta comunicação propõe uma análise comparativa da estética da duração na série Twin Peaks – O Retorno (2017) e no filme La Flor (2018), a partir da presença do estranhamento provocado por lacunas e interrupções. Combinando noções da narratologia com a noção de Infamiliar (Freud, 2019), propomos o ponto de partida para uma análise duracional como preconizado por Gaston Bachelard (1988).
Resumo expandido
- Esta comunicação propõe uma análise comparativa da estética da duração na série Twin Peaks – O Retorno (2017) e no filme La Flor (2018). Combinando noções da narratologia com o conceito de Infamiliar, identificamos o ponto de partida de uma análise duracional como preconizado por Gaston Bachelard (1988).
Twin Peaks – O Retorno é ao mesmo tempo a terceira temporada da série de TV dos anos 1990 e um objeto estético novo. Ainda que retome antigos protagonistas e o local-título da original, O Retorno aposta na multiplicação de novos personagens e na fragmentação espacial. A surpresa do espectador que espera simplesmente rever antigos rostos e situações é acentuada pela inquietante estranheza provocada pela lacuna de duração diegética (25 anos) que coincide com o tempo transcorrido entre a última aparição do universo ficcional e esta nova temporada.
Já o filme argentino La Flor é conhecido pela sua duração excessiva (14 horas), pela divisão irregular de suas partes e, finalmente, por trabalhar com quatro atrizes que encarnam novos papeis em novas histórias. Há, no entanto, um outro aspecto importante: a interrupção abrupta das durações, na medida em que quatro dos seis episódios apresentados são descontinuados para que um outro surja. Assim, os rostos e corpos que identificamos diegeticamente com certos personagens devem ser reprogramados para um outro universo ficcional, promovendo através disso um certo tipo de estranhamento familiar.
Seja pela lógica lacunar da supressão da duração equivalente na diegese e na espectatorialidade, seja pela interrupção abrupta que provoca a reprogramação da ficção, a estranheza proposta por ambas as obras – a série e o filme – podem ser pensadas a partir do conceito de Unheimliche – ou o Infamiliar, na nova tradução do texto de Sigmund Freud (2019). Este conceito tenta dar conta da sensação surgida pelo contato com aquilo que conhecemos há muito tempo, mas que de alguma forma não é mais o mesmo. “Uma espécie do que é aterrorizante, que remete ao velho conhecido, há muito íntimo” (Freud, 2019, p.33).
A noção de Infamiliar é trabalhada nestas duas obras através do deslocamento de expectativas narrativas, criando uma espécie de fratura na duração que está no cerne da sensação de estranhamento provocada. Assim, faremos uso de noções da narratologia não com o objetivo de pura identificação das estruturas narrativas, mas para entender suas estratégias de estranhamento como dimensões estéticas ligadas às suas durações.
A duração é uma dimensão do cinema ainda pouco explorada pela teoria do cinema (Callou, 2022). Marcel Martin (1990) sugere uma tripla noção: a duração da projeção, a duração diegética, e a duração percebida pelo espectador. Jacques Aumont (2012, pp.96-97), por sua vez, propõe a noção de tempo esculpido, modelado, apresentado ao espectador pelo seu ritmo. Ou seja, para Aumont, não é tanto a percepção subjetiva do espectador que interessa, mas aquela construída pelo filme, passível de ser analisada.
A fim de ampliarmos a discussão, convocamos também as noções de duração propostas por Henri Bergson e Gaston Bachelard. Para Bergson (2010), a duração é um movimento contínuo, ligado à vida e à consciência, e não a sucessão de instantes precisos em um sistema artificial como os propostos pelas ciências. Recuperando o pensamento de Bergson e reconhecendo nele a importância sobre uma filosofia da duração, Gaston Bachelard (1988; 2007) faz, por sua vez, uma crítica à noção de duração como um sistema contínuo. A partir das ideias do filósofo português Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos, Bachelard sugere a ritmanálise como método de estudo que identifica o conjunto de pausas e recomeços expressos por suas “ondulações afetivas” (1988, p.127).
Ao propor uma análise comparativa da estética da duração em Twin Peaks – O Retorno e La Flor, sugerimos também o método de ritmanálise como possibilidade de compreensão de suas diversas dimensões temporais, sejam elas científicas, narrativas ou sensoriais.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. Fictions filmiques. Comment (et pourquoi) le cinéma raconte des histoires. Paris: Vrin, 2018.
BACHELARD, Gaston. A Intuição do Instante [1932]. Campinas: Verus, 2007.
BACHELARD, Gaston. A Dialética da Duração [1936]. São Paulo: Ed. Ática, 1988.
BERGSON, Henri. Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito [1896]. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010b.
BERGSON, Henri. A Evolução Criadora [1907]. São Paulo: Ed. Unesp, 2010.
CALLOU, Hermano. A duração fílmica como um problema da teoria e da crítica de cinema. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v. 29, p. 1-13, jan-dez. 2022.
FREUD, Sigmund. O Infamiliar. São Paulo: Ed. Autêntica, 2019.
GAUDREAULT, André; JOST, François . A Narrativa Cinematográfica. Brasília: ed. UNB, 2009
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. SP: Brasiliense, 1990.
MONTEIRO, Lúcia Ramos. Longa duração, análise (pós-)fílmica e o texto ainda inencontrável. Revista Passagens: PPGCOM da UFC, v. 8, p. 112-134, 2017b