Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Jamer Guterres de Mello (UAM)

Minicurrículo

    Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (PPGCOM-UAM). Doutor em Comunicação pelo PPGCOM-UFRGS, com Pós-Doutorado (PNPD-CAPES) pelo PPGCOM-UAM. Integrante da Rede de Pesquisa Teoria de Cineastas e organizador dos livros “Processos de criação e reflexões teóricas no cinema” (Gênio Editorial, 2024) e “Por uma teoria compartilhada: ideias, processos e práticas de cineastas” (Fi, 2023).

Ficha do Trabalho

Título

    León Siminiani e a poética da contradição: autorrepresentação, ensaio e ficção no documentário

Seminário

    Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema

Resumo

    Este trabalho analisa o percurso criativo do cineasta espanhol León Siminiani a partir da Teoria de Cineastas, explorando como suas obras tensionam os limites entre ficção e documentário. Por meio de uma linguagem ensaística e autorreflexiva, seus filmes articulam processos autobiográficos e dispositivos retóricos a partir de uma poética da contradição, assumindo a construção do real enquanto experiência e fazendo do documentário um espaço de pensamento e incerteza.

Resumo expandido

    Este trabalho propõe uma análise do percurso criativo do cineasta espanhol León Siminiani, abordando suas formulações autorreflexivas como parte de uma epistemologia prática e poética do documentário. Partindo de dois de seus longas-metragens, “Mapa” (2012) e “Notas para um Filme sobre Assaltos” (2018), e de suas próprias declarações em textos e entrevistas, buscamos compreender de que forma suas obras mobilizam o gesto autobiográfico, tensionam as fronteiras entre ficção e documentário e forjam um estilo marcado por contradições e buscas inacabadas.
    A partir da perspectiva da Teoria de Cineastas, entendemos que os filmes de Siminiani não apenas refletem um processo criativo singular, mas também propõem uma teoria em ato: pensar o cinema desde o fazer cinematográfico. Em seus textos, Siminiani reconhece que seu cinema nasce da dúvida e da instabilidade criativa ao afirmar que “não escolhemos os filmes, são os filmes que nos escolhem: não fazemos o cinema que queremos, mas o que podemos” (Siminiani, 2012, p. 89-90). Essa recusa de uma coerência autoral estável desafia o imperativo de identidade projetado pelo paradigma da política dos autores, cultivado por ele como um “trauma” herdado da Nouvelle Vague (Siminiani, 2012, p. 89).
    “Mapa” é exemplar nesse sentido: trata-se de um filme que mistura autorrepresentação e metalinguagem em uma estrutura ensaística fragmentada na qual o cineasta expõe seus fracassos afetivos e criativos e faz da viagem um dispositivo de investigação de si. Ao mobilizar a primeira pessoa como método e não como garantia de autenticidade, Siminiani aproxima-se de cineastas-ensaístas como Chris Marker, Harun Farocki e Ross McElwee, que ele próprio reconhece como influências formativas. O autobiográfico torna-se menos um registro pessoal e antes um campo de experimentação estética e metodológica (Piedras, 2014).
    Em “Notas para um Filme sobre Assaltos”, o desejo de realizar um filme de ficção baseado em um assaltante real é frustrado pelo próprio contato com a realidade. No entanto, suas tentativas criam um dispositivo e o filme é gerado como uma obra sobre o próprio processo, sobre a impossibilidade e sobre a fricção com o mundo (Català, 2012). O conflito entre controle e espontaneidade, entre método e desvio, se torna a própria matéria do filme, cuja estética ensaística é atravessada por camadas de reflexão, humor e ambiguidade.
    Seu cinema não revela o real, mas o constrói como experiência. A contradição é assumida como método – uma poética da hesitação, do rastro, do quase. Sua obra exemplifica, assim, o deslocamento contemporâneo do documentário de uma lógica de transparência para uma lógica da implicação: trata-se de fazer do cinema um gesto autorreflexivo (Alter, 2018), em que se pensa filmando e se filma pensando (Rascaroli, 2009).
    Ao tensionar os códigos do documentário tradicional, Siminiani inscreve-se numa tradição pós-moderna que contesta os regimes de verdade e autenticidade, explorando o documentário como linguagem impura, permeável à ficção, à performance e à especulação. Há, portanto, uma aposta na performatividade do olhar, na construção de um sujeito que é, ao mesmo tempo, personagem, autor e investigador. Siminiani, nesse sentido, é menos um cineasta que observa o mundo do que alguém que o reinscreve a partir de suas próprias falhas de observação.
    A partir da Teoria de Cineastas dos processos de criação (Mello et al, 2024), os filmes de Siminiani nos oferecem não apenas objetos de análise, mas uma constelação de operações estéticas e éticas, dispositivos formais e retóricos (Plantinga, 1997) que exigem um pensamento do cinema desde o interior de seus próprios impasses criativos (Renov, 2004). Sua obra formula uma teoria do documentário como processo inacabado, como prática de si e como forma de habitar o cinema em estado de busca permanente.

Bibliografia

    ALTER, N. M. The essay film after fact and fiction. New York: Columbia University Press, 2018.
    CATALÀ, J. M. Guía de perplejos. El cine imposible de León Siminiani. In: FERNÁNDEZ, V.; GABANTXO, M. (orgs.). Territorios y fronteras: experiencias documentales contemporáneas. Bilbao: UPV, 2012, p. 71-86.
    MELLO, J. et al (orgs.) Processos de criação e reflexões teóricas no cinema. São Paulo: Gênio Editorial, 2024.
    PIEDRAS, P. El cine documental en primera persona. Buenos Aires: Paidós, 2014.
    PLANTINGA, C. Rhetoric and representation in nonfiction film. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
    RASCAROLI, L. The personal camera: subjective cinema and the essay film. New York: Wallflower Press, 2009.
    RENOV, M. The subject of documentary. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004.
    SIMINIANI, L. ¿Hacia una poética de la contradicción? In: FERNÁNDEZ, V.; GABANTXO, M. (orgs.). Territorios y fronteras: experiencias documentales contemporáneas. Bilbao: UPV/EHU, 2012, p. 88-99.