Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcelo Carvalho da Silva (UTP)

Minicurrículo

    Marcelo Carvalho é vice-coordenador e professor adjunto do PPGCOM/UTP. Membro da Rede de Pesquisa Teoria de Cineastas. Membro da Unidade de Investigação em Artes CineMAtiC da Universidade da Beira Interior (UBI, Covilhã, Portugal). Líder do Grupo de Pesquisa Kinosfera (PPGCOM/UTP, CNPq). Doutor pelo PPGCOM/ECO-UFRJ, com estágio doutoral na Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3. Especialista em Arte e Filosofia pela PUC-Rio. Graduado em Comunicação Social (em Cinema e em Jornalismo) pela UFF.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre o Demiurgo e a mortalidade: a Teoria de Cineastas e o dom do acaso

Seminário

    Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema

Resumo

    Esta proposta de comunicação pretende pensar a incursão do acaso no filme. Para tanto, ressaltamos as relações entre o cineasta e o acaso, problematizando questões de fundo que balizariam a Teoria de Cineastas. Em uma arte na qual a autoria ainda determina a pesquisa, tratar daquilo que foge ao agente criador torna-se um passo adiante na compreensão do filme. Afinal, os cineastas também se constituem pelas relações que são capazes de manter com o que escapou ao próprio gesto de criação.

Resumo expandido

    Esta proposta de comunicação pretende pensar, de modo exploratório, algumas questões acerca da incursão do acaso no filme, constituindo-se como um desenvolvimento do texto Cineastas e Atos Fílmicos (CARVALHO, 2024). Para tanto, ressaltamos as relações entre o cineasta e o acaso com o intuito de problematizar questões de fundo que balizariam alguns fundamentos da Teoria de Cineastas.

    Partamos de uma concepção simples sobre o acaso enunciada em duas partes: o acaso seria (1) a incursão da matéria durante o processo de realização fílmica, incursão esta (2) não atribuível a quaisquer atos dos cineastas envolvidos na realização, admitindo-se que tanto os atos dos cineastas quanto as incursões da matéria seriam lisíveis e distinguíveis na tela.

    Para esta proposta, consideramos apenas os acasos que surgem durante a filmagem, deixando de fora os outros momentos da criação fílmica, como o roteiro, a montagem, a pré-produção etc., um corte que restringe bastante o caráter amplo das fontes de pesquisa da Teoria de Cineastas (GRAÇA; BAGGIO; PENAFRIA, 2015).
    Da mesma forma, nos ateremos às questões materiais, especificamente, à relação entre cineastas e a matéria filmada, isto é, enquanto expressada no filme. O interesse pelo acaso não é recente, e inclui do acaso absoluto como princípio organizador (Tiquismo) de Peirce (1892) à tematização do acaso no processo de criação em Salles (1998) e às funções do acaso no cinema preconizadas por Burch (2008).

    A imagem e o som cinematográficos são multifacetados e constituídos, por um lado, pelas intenções (racionais, sensoriais, afetivas etc.) dos cineastas e, por outro, pela dimensão da matéria que se contrapõe à intencionalidade dos cineastas pela emergência dos acasos. Decorre disso que o filme não seja o resultado imediato e direto de alguém que pensa, e que nem tudo que surge na tela é atribuível ao cineasta.

    Se a arte resiste e conserva a si e o que a constitui (DELEUZE; GUATTARI, 1992), haveria a possibilidade de uma cartografia do acaso no filme tanto quanto dos atos fílmicos dos cineastas, embora sua determinação seja, por vezes, mais vaga e circunstancial do que a dos atos fílmicos.

    Uma breve tipologia da incursão do acaso no filme levaria em conta (1) a intromissão do acaso à revelia dos cineastas, (2) a adoção do improviso como abertura controlada para o acaso enquanto método de criação (como em Câncer (1972), de Glauber Rocha), ou ainda, (3) o surgimento não programado de um elemento que acaba por ser incorporado conscientemente: um belo exemplo deste caso encontra-se em O Homem Urso (2005), de Werner Herzog, quando, já na montagem, o cineasta se põe, em off, a elaborar um pensamento sobre o carisma próprio da imagem em um plano do vento que sopra sobre a vegetação.

    Dado que a imagem e o som cinematográficos são (ou ainda são) majoritariamente criados pela relação do cineasta com a matéria, é-nos evidente que o acaso ganhe importância enquanto objeto de pesquisa e de problematização. Assim, levar em consideração o acaso é deparar-se com o que não é controlável no filme, que escapa à vontade do cineasta. Talvez, então, no filme, e em termos puramente materiais, o acaso não seja o inopinado, mas aquilo que escapa à determinação do cineasta, que se equilibraria entre a posição do Demiurgo e a de um mortal sujeito às contingências.

    Em uma forma de expressão e de arte na qual as questões de autoria ainda determinam, sub-reptícia ou explicitamente, tanto os estudos acadêmicos quanto a crítica, tratar daquilo que foge ao agente criador torna-se um passo adiante na compreensão dos meandros do filme em direção ao que Pasolini evoca ao referir-se aos elementos “irracionais, oníricos, elementares e bárbaros” do cinema (PASOLINI, 1982: 141). Afinal, nem tudo no filme pode ser atribuído aos criadores, aos cineastas, que também se constituem pelas relações que são capazes de manter com o que escapou ao próprio gesto de criação.

Bibliografia

    BURCH, Nöel. “Funções do acaso.” In Práxis do Cinema. São Paulo: Perspectiva, 2008.

    CARVALHO, Marcelo. “Cineastas e atos fílmicos”. In MELLO, Jamer Guterres de [et al.]. Processos de criação e reflexões teóricas no cinema [livro eletrônico]. São Paulo: Gênio Editorial, 2024.

    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

    GRAÇA, André Rui; BAGGIO, Eduardo Tulio; PENAFRIA, Manuela. Teoria dos cineastas: uma abordagem para a teoria do cinema. Revista Científica/FAP, Curitiba, v.12, p. 19-32, jan./jun. 2015.

    PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo herege. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982.

    PEIRCE, Charles Sanders. The doctrine of necessity explained. The Monist, V2, 1892.

    SALLES, Cecília. Gesto inacabado: processo de criação. São Paulo: Annablume, 1998.