Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Laura de Aguiar Miranda (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Mestranda em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e bacharel em Ciências Sociais pela UERJ. Pesquisadora nos grupos de pesquisa INARRA (PPCIS-UERJ) e IMADIS (PPGCOM-PUC Rio). Seu ensaio “Inter-ferir, celebrar encontros com o Divino” foi indicado para o V Prêmio de Fotografia Arthur Napoleão Figueiredo e selecionado para exposição na XIV Reunião de Antropologia do Mercosul. Trabalhou em filmes selecionados em festivais nacionais e internacionais.

Ficha do Trabalho

Título

    Mulheres, militância e a invenção de contra-espaços

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    Com o filme Torre das Donzelas (2018), nos aproximamos de mulheres militantes na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), buscando a experiência heterotópica como conceito operador de análise. Esta, destaca os afetos como potências políticas, para pensar a invenção de contra-espaços. Trata-se de um filme que desafia as práticas institucionais de memória e as formas convencionais de escrita da história que insistem em capturar as experiências, esvaziando-as de sua multiplicidade.

Resumo expandido

    Nesta proposta de comunicação, recorremos ao filme Torre das Donzelas (2018), da cineasta Suzanna Lira, para pensar sobre a experiência de mulheres militantes na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Reconhecemos que este filme contou com apoio e estrutura para a sua realização e ganhou uma visibilidade significativa se comparado a outros realizados por cineastas mulheres sobre a experiência feminina na ditadura. Mas, entendemos que se trata de um filme que desafia as práticas institucionais de memória e as formas convencionais de escrita da história que, ainda hoje, diante dos desafios do contemporâneo, insistem em capturar as experiências, esvaziando-as de sua multiplicidade.
    Nossa formação social tem como herança as marcas de uma colonialidade duradoura, que sustenta, desde o século XV até nossos dias, um projeto de dominação político-econômico-cultural expandido no movimento de ocidentalização do mundo (GROSFOGUEL, 2014). As bases cartesianas que argumentam pela égide da razão, sugerem dicotomias como a que mantém o dualismo corpo/mente e a matematização como referência para métodos de pesquisa, incluindo as ciências humanas e sociais, critérios de avaliação que investem na normatização da vida (FOUCAULT, 2015), voltada a alcançar uma verdade categórica e conclusiva.
    A disseminação do que se pode chamar de uma lógica ocidental implantou não só dicotomias, mas estabeleceu hierarquias traçando caminhos para o que se costuma afirmar como um modo de vida superior, que julga, classifica e prescreve destinos para outros tantos modos de viver que rebaixa, silencia, patologiza, elimina. Assim, não só encontramos a separação corpo/mente, mas a supervalorização de uma racionalidade que se faz na desqualificação, correção e contenção do corpo e, com ele, a dimensão dos afetos.
    Essa lógica está presente nas práticas de formação escolarizadas e não escolarizadas, como observado nos movimentos sociais. Ainda assim, no encontro com as mulheres nas lutas políticas, pudemos perceber a centralidade do sensível na sua militância e na criação do cotidiano, operando acontecimentos. A valorização desse registo equivoca a lógica hegemônica de entendimento da razão em desconexão e superioridade sobre o sensível e sugere outros modos de resistência na produção da subjetividade militante.
    Se o que o regime tentou impor foi um controle sobre os corpos e subjetividades, a fragmentação da vida comunitária, o isolamento e a decisão sobre vida e morte daqueles que não se sujeitavam, nos encontros com as histórias dessas mulheres que se insurgiram ao “que foram destinadas a ser” encontramos a criação de outros possíveis através da conexão com a imaginação e a arte. Realizam assim, uma discussão política a partir do afeto, que está nas relações que elas constroem entre si e o mundo.
    O filme Torre das Donzelas (2018) é repleto de pequenos acontecimentos que permitem reafirmar o entendimento dos afetos, como potências de vida, criados e compartilhados nas relações cotidianas. O filme recupera a história de mulheres presas políticas que ocuparam a ala de celas femininas do presídio Tiradentes, nomeada “torre das donzelas”, durante a ditadura civil-militar brasileira. Neste espaço, elas dizem que construíram um lar ou algo mais próximo possível disso. Nas palavras de Dilma Rousseff, a prisão “é um controle do espaço e do tempo, define o que você faz no seu cotidiano e como você faz. E te isola. Então qual era o nosso objetivo? Não nos isolar, ter o controle do nosso espaço dentro das nossas possibilidades e controle do nosso tempo.” (LIRA, 2018, 97min).
    Juntas elas buscaram reinventar e atribuir novos sentidos para aquele espaço físico, criando espaços outros ou mesmo contra-espaços. Observamos que esse exercício inventivo, numa busca por ultrapassar os limites que o presente impunha, tem relação profunda com a noção de heterotopia de Michel Foucault (2014), por isso pretendemos nos aproximar deste conceito para dar continuidade a nossa pesquisa.

Bibliografia

    CINEASTAS: Lucia Murat. Direção Hermes Leal. Brasil: HL Produtora de Filmes LTDA, 2016. Episódio de série (45min).
    FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 3ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
    _________________. O corpo utópico. Heterotopias do corpo. Tradução Salma T. Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2014.
    GROSFOGUEL, Ramón. “De la crítica pós-colonial a la crítica descolonial”. No marco do seminário internacional de Pensamento contemporâneo organizado pela VRI da Universidade de Berkeley del Cauca y la Maestría en Estudios Interdisciplinarios del Desarrollo. Produção audiovisual: MAEID, 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IpIfyoLE_ek&t=8s&ab_channel=MAEID. Acesso em: 10 de outubro de 2023.
    RAGO, Margareth. Inventar outros espaços, criar subjetividades libertárias. São Paulo: ECidade, 2015.
    TORRE das donzelas. Direção Susanna Lira. Brasil: Modo Operante Produções, 2018. Longa-metragem (97 min).