Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniela Pereira Strack (UFRGS)

Minicurrículo

    Doutoranda e mestre em Comunicação pelo PPGCOM/UFRGS, graduada em Produção Audiovisual – Cinema e Vídeo pela PUCRS (2014). Sua dissertação de mestrado “A sobrevivência de imagens da Belair na obra da cineasta Helena Ignez” recebeu menção honrosa no prêmio Socine de Teses e Dissertações (2023). Integra o Grupo de Pesquisa em Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC), linha “Agenciamentos da Imagem”. É professora do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos.

Ficha do Trabalho

Título

    De Akerman para Bausch: a repetição como recurso estético-narrativo no filme Toda uma noite (1982)

Resumo

    Esta comunicação propõe uma análise do uso da repetição enquanto recurso estético-narrativo em Toda uma noite (1982), de Chantal Akerman. Nesse ponto, o trabalho identifica um diálogo entre o uso deste recurso estético e a dança-teatro de Pina Bausch, que também faz uso da repetição como força motriz de suas criações.

Resumo expandido

    O uso da repetição enquanto recurso estético-narrativo é uma característica recorrente na filmografia de Chantal Akerman. Filmes como Eu, tu, ele e ela (1974) e Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles (1975), por exemplo, utilizam estratégias de repetição tanto em sua estrutura narrativa (uma mesma rotina que se repete com pequenas alterações ao passar dos dias), quanto na encenação das atrizes em cena (através da repetição gestual exacerbada de ações cotidianas). Em Toda uma noite (1982), Akerman utiliza estratégias semelhantes, mas com duas diferenças fundamentais: a) as ações do filme se desenrolam ao longo de uma única noite de verão; b) aqui, a repetição das ações acontece entre cenas e é vivenciada por diferentes personagens ao longo da narrativa.

    A estrutura do filme é organizada a partir de fragmentos, instantes isolados de personagens que pouco ou quase nada conhecemos, mas que têm seus corpos movidos pelo desejo do encontro numa noite quente em Bruxelas. São casais que se observam, abraçam-se, beijam-se, dançam juntos, cumprimentam-se e se despedem, aproximam-se e se repelem com igual força. A partir do encadeamento das imagens pela montagem, é como se observássemos estes movimentos serem reinseridos aos poucos em uma cadeia de gestos comuns, fornecendo uma espécie de contexto coreográfico (Silva, 2010). Em outras palavras, é como se a junção dessas cenas formasse uma coreografia precisa, na qual observamos os mesmos gestos, mas reencenados por diferentes personagens. Esta proposta permite que o instante decisivo do encontro tenha sua configuração alterada pela força da repetição, que, por sua vez, produz pequenas variações ao longo das cenas.

    É a partir dessa proposição, de que as estratégias estéticas de repetição gestual geram elas próprias as condições para fazer emergir a diferença em Toda uma noite, que observamos a relação entre o recurso empregado por Akerman e o uso da repetição no processo de criação da coreógrafa Pina Bausch. A dança-teatro idealizada por Bausch não apenas emprega a repetição como uma técnica ou como um recurso coreográfico, mas a torna um tema central a ser analisado e desconstruído de forma crítica. Nesse sentido, o uso da repetição é o que abre espaço para o imprevisto e faz emergir aquilo que parece ser o seu oposto: a diferença e a transformação (Fernandes, 2000). Em obras como Café Müller, por exemplo, a repetição é um recurso cênico, no qual a narrativa fragmentada é composta a partir de cenas que se repetem em diferentes momentos do espetáculo – ora idênticas, ora sutilmente modificadas. Assim, a sensação é de que a peça aparentemente se repete ao longo da apresentação, mas “por estar sujeita ao imprevisto” é possível perceber que a cenas se transformam “por meio da repetição” (Campos, 2017, p. 125).

    Além do emprego desse recurso estético em comum, é possível traçar outras relações entre Toda uma noite e as experimentações coreográficas de Pina Bausch. Em algumas cenas do filme de Akerman, é possível perceber uma similaridade no modo como os gestos são encenados. Em especial, quando os casais se encontram e se abraçam em cena com intensidade. Além disso, o uso do som dos passos e encontros entre corpos em cena também assumem uma musicalidade bastante similar à explorada por Bausch em suas obras.

    A presente proposta, portanto, tem como objetivo central analisar o uso da repetição enquanto recurso estético-narrativo no filme Toda uma noite, de Chantal Akerman, aproximando-o das estratégias de repetição empregadas pela coreógrafa Pina Bausch na sua dança-teatro, com especial atenção para a obra Café Müller.

Bibliografia

    AMIEL, Vincent. Le corps au cinéma: Keaton, Bresson, Cassavetes. Paris: Presses Universitaires de France, 1998.
    CAMPOS, Márcia Regina Bozon de. Recordar, repetir, criar: a dança-teatro de Pina Bausch. Ide (São Paulo), São Paulo , v. 40, n. 64, p. 117-128, dez. 2017.
    DAMOUR, Christophe. Jeu d’acteurs: Corps et gestes au cinéma. Presses universitaires de Strasbourg, 2016.
    DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.
    FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: repetição e transformação. São Paulo: Annablume, 2000.
    MARGULIES, Ivone. Nada acontece: o cotidiano hiper-realista de Chantal Akerman. São Paulo: Edusp, 2016.
    MARTÍNEZ, Carolina. Danzas superpuestas. Chantal Akerman y Maya Deren en torno a” Toute une Nuit”. Telondefondo. Revista de teoría y crítica teatral, n. 14, p. 210-221, 2011.
    SILVA, Mateus Araújo. Amor de filha (Toute une nuit, 1982). DEVIRES-Cinema e Humanidades, v. 7, n. 1, p. 147, 2010.